segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

PSICOLOGIA JUDICIÁRIA E O INSTITUTO DA CONFISSÃO

Mariana Marinho Barbalho - Advogada. Aluna da Escola Superior de Magistratura do RN.

Ementa: I- Introdução. II- Das provas. III- O interrogatório e a confissão. IV- Características. V- O valor probatório e os critérios de avaliação. VI- Os delinqüentes. VII- Conclusão.

I- Introdução:
O que levaria uma pessoa, que cometeu determinado crime (em sentido amplo), a confessar? A sinceridade, o medo, a insegurança, a confusão, o arrependimento?... A partir do período humanitário (fim do século XVIII) e principalmente com a Escola Clássica e a Escola Positiva, o delinqüente passou a ser estudado e visto como um ser humano na sua integridade.

A Escola Clássica considera o delinqüente como um ser indistinto na sociedade, diferentemente da escola Positiva, que influenciada pelo Naturalismo, analisa esse ser através de uma tipologia própria, com estados psíquicos e biológicos anormais. Os classicistas afirmam que “se torna criminoso é porque quer”. Já os positivistas crêem que são os fatores externos (o meio onde vivem) e internos (hereditários, físicos) que influenciam o arbítrio dos delinqüentes!

A partir da Escola Positivista, outras ciências se desenvolveram com o fim específico de questionar o criminoso, por vários métodos e princípios, surgindo então a ciência da Criminologia. Mesmo que o crime seja um fenômeno que agride toda a sociedade, a fase da vingança individual, coletiva, divina ou pública, através do mal pelo mal, já terminou, logo, o delinqüente deve ser estudado para o bem dele e principalmente a fim de se atingir o bem-comum, através da pacificação dos conflitos sociais.

II- Das provas:

Ao se culpar alguém por um delito penal, se faz necessário a certeza da materialidade do ilícito e da sua autoria. Essa verdade será verificada na instrução criminal, devendo as partes demonstrar a veracidade de suas alegações a fim de se ter um julgamento digno de justiça.

Nesse momento processual, o juiz chega a formar um juízo de valor, a respeito da personalidade das partes, sinceridade das desculpas alegadas, estados espirituais, a malícia com que se age ou até mesmo a frieza quando demandados em juízo. Algumas provas não são admitidas em juízo, por serem ilegais (em relação ao direito material) ou ilegítimas (conforme o direito adjetivo, processual), em relação ao meio como foram obtidas ou ao modo. Os princípios da Ampla Defesa e do Contraditório é a base jurídica mais importante nesse momento.

PSICOLOGIA JUDICIÁRIA E O INSTITUTO DA CONFISSÃO –II

III- O interrogatório e a confissão:
Um meio de prova essencial ao processo penal é o interrogatório. Em sua defesa, o acusado particularmente deverá argüir causas de excludentes de culpabilidade, antijuridicidade, circunstâncias que diminuam a pena ou o direito a certos benefícios penais. Mas quando for perguntado: “se é verdadeira a imputação que lhe é feita?”, ele Confessar o crime? Estará esse réu confesso impedido de exercer o seu direito à “ampla defesa” e ao “contraditório”? Deverá o seu advogado tentar justificar seu ato? São algumas das inúmeras perguntas que se pode fazer diante da confissão do acusado.

A parte acusadora já terá ganhado a lide, visto que tudo agora lhe parece fácil, mudando inclusive a sua tese de defesa? Vale salientar a posição do doutrinado MAGALHÃES NORONHA, ao afirmar que: ”a acusação não adquire diretos na confissão do denunciado”.

A palavra confissão vem do latim confeccione que significa reconhecimento, aquiescência. A confissão ainda é considerada sui generis, por alguns doutrinadores, e privilegiada, uma vez que hora ocorre o exagerado valor probatório, ora este valor é negado. Vale, no entanto salientar que a “repugnância do espírito humano em acusar-se, não tem valor para repelir a confissão do campo das provas” (A lógica das provas em matéria criminal, Malatesta, pág.485, 1927).

Algumas diferenciações merecem serem feitas: se for demandado, o acusado desmente as acusações a ele feitas, negando a sua autoria, isto não é crime; diferentemente, se ele comete a falsa auto-acusação, é crime previsto no artigo 341 do Código Penal Brasileiro.

IV. Características:
A confissão tem como características próprias a retratabilidade, a divisibilidade e a relatividade de valor. A retratabilidade consiste em a qualquer tempo, poder o acusado retirar o que disse, por motivos ponderáveis e comprovados (artigo 200 do CPP). A retratação pode ser total (nega-se o fato integral) ou parcial (nega-se parte do fato).

É divisível visto que pode ser considerada apenas em partes, quando necessário. Assim, se uma parte da confissão confrontar com as demais provas, aquela será desconsiderada se essas forem tidas como verdadeiras pelo juiz da causa.

A relatividade é importante visto que não necessariamente a prova em si vai ser levada em consideração pelo juiz, já que a confissão não é mais aceita como a «rainha das provas». Outras provas serão produzidas e com aquela serão confrontadas, a fim de se verificar se existe compatibilidade ou concordância, à procura da verdade real, pressuposto do processo penal.

V- Valor probatório e os critérios de avaliação:
A importância de se conhecer a veracidade de uma confissão está em poder o juiz fundamentar a condenação, com base na confissão judicial, quando esteja sem vício, nem haja dúvidas sobre a sua licitude e garantia tida desse modo como plenamente válida. Só após profundos estudos é que se pode assegurar ser determinada confissão sincera e discreta, assim, válida para o Direito. Medir o seu valor probatório é uma ciência!

A confissão é uma prova questionada subjetivamente vista a repugnância do espírito humano em acusar-se. Segundo o eminente penalista Malatesta, em obra supracitada: “... o acusado que confesso é um combatente desarmado”. No sistema acusatório puro é considerado mais fácil se negar o valor da confissão, diferentemente dos sistemas inquisitórios. A confissão deverá ser espontânea, impedindo assim os modos violentos de obtê-la, que a torna ilícita e viciada. Contra a barbaridade da violência para se conseguir a confissão, se insurgiu, no início da ciência penal propriamente dita, o escritor Beccaria, na sua obra, “Dos delitos e das penas”.

O fundamento lógico da presunção de veracidade da confissão deve-se confrontar ao de falsidade, visto que os impulsos humanos levam a confissão verdadeira, mas isso nem sempre ocorre. No entanto, são os motivos ordinários que atuam sobre o espírito humano, impelindo-o a não ocultar o próprio crime. É importante para o poder público conhecer a veracidade das confissões, visto que, está em questão o interesse público de punir ou não, e não apenas o interesse privado.

Logo, é aconselhável ao juiz, que “não deixe o interrogatório prolongar-se por muito tempo, com inúmeras perguntas, pois poderá a serenidade estar perturbada” (DELLEPIANE- Nova teoria da prova-, por Altavilla, em sua obra, supracitada).
O juiz deverá adotar certos critérios de análise das confissões. Refiro-me aos juízes, mas toda essa experiência em relação à psicologia judiciária é de extrema importância para os outros agentes da Justiça, principalmente para o Ministério Público.

Dentre as suas várias funções, o representante do parquet, às vezes é o acusador oficial no processo e esse encargo jurídico não é absoluto, isto é ele não é obrigado a sempre acusar, pois pode opinar ou requerer inclusive a absolvição do acusado. Assim senso, deve conhecer igualmente o valor probatório das confissões a fim de se posicionar da maneira mais justa no processo.

Os critérios subjetivos de avaliação relacionam-se ao momento da confissão em que se suspeita de alguma condição, que o acusado se engana, ou que queira enganar. Quanto aos critérios formais, se a manifestação for direta de quem confessa e quanto mais precisa o for, mais valor probatório terá, tendo em vista principalmente a atitude pessoal do acusado. Os critérios objetivos são mais genéricos: deverá ser a confissão crível e verossímil; ter conteúdo afirmativo; não pode ser contraditória em si mesma e melhor será se for bem detalhada.

PSICOLOGIA JUDICIÁRIA E O INSTITUTO DA CONFISSÃO –III

1 Confissão patológica:
A falsa confissão, ou confissão patológica, dá-se geralmente por motivos particulares extraordinários, que atuam com maior força que a repugnância pela pena. Não é assim considerada a confissão de pessoa que se engana a si própria, achando que cometeu um crime que não ocorreu, e sim aquele que quer enganar efetivamente. São considerados motivos pessoais extraordinários:

São alguns motivos extraordinários: o fato de se apresentar em juízo confessando um delito menos grave, que tenha ocorrido no mesmo local do crime que cometeu e à mesma hora; ou ainda acusar-se de algo, que o puna de forma leve, para passar alguns dias na cadeia, diante de sua condição de miserável, sem comida nem teto, entre outras inúmeras situações.
V.2- Confissão clássica:
São alguns motivos ordinários que possibilitam a confissão verdadeira, segundo Malatesta:

- No espírito humano há sempre um instinto de veracidade que se opõe à mentira, que coadjuvado pelo remorso, ao recordar o próprio crime, torna-se irresistível. Segundo esse doutrinador, a mentira é filha da reflexão, que só funciona bem no estado de calma!

- No espírito do acusado há sempre o receio de ser atingido por outras provas, futuras, mas se já se sente perseguido pelas provas presentes, ele confessa.

PSICOLOGIA JUDICIÁRIA E O INSTITUTO DA CONFISSÃO – IV

Segundo ALTAVILLA – Psicologia Judiciária- os motivos que levam à confissão são:
O remorso. Diferencia-se do arrependimento, por ser esse um fenômeno intelectual, é a reprovação pelo que se fez e o remorso é o estado emotivo que acompanha o arrependimento, é o sofrimento que ele determina, tanto que pode falar-se em arrependimento sem remorso. O remorso é acompanhado geralmente de angústia, uma tormentosa ansiedade, é o próprio sofrimento da espera. Apesar de aparentemente ser freqüente, devido ao egoísmo humano em tentar justificar todas as suas atitudes, essa modalidade não é tão comum.

- A necessidade de se explicar, ao tentar humanizar o seu crime, atenuá-lo.

- O orgulho: mais freqüentes nos delinqüentes «passionais», «políticos» e «ocasionais», vendo seus crimes com fator de glória.

- Para não deixar condenar um inocente: mais freqüente nos «ocasionais», quando percebem que seu silêncio poderá condenar alguém.

VI. Os delinqüentes:

Analisaremos algumas modalidades de delinqüentes, peculiares em seus atos, demonstrando como a confissão pode ocorrer de diferentes formas, face à personalidade dos acusados.

Os passionais: de acordo com a psicologia judiciária, são os que mais facilmente confessam. Geralmente são crimes praticados em público, devido a um ímpeto de paixão, sem qualquer preocupação com as testemunhas, nem com a prisão imediata. Inclusive, vão pessoalmente entregar-se, confessando tudo.

Pela forma como ocorreu o crime é praticamente impossível negá-lo, e como se deu por um momento de uma mórbida necessidade psicológica, quando o indivíduo volta ao seu estado normal, sente remorsos intensos. Os suicídios são freqüentes nesses casos. De tão sincero que atua, acaba em até agravar a sua situação, devido à inexistência de seu espírito de defesa.

Por trás de personalidades passionais, existem verdadeiros loucos. É interessante ressaltar que o passional geralmente não se lembra de todos os atos praticados, tamanho era a sua explosão psicológica, sendo tudo realizado no estado de automatismo.


Os ocasionais: agem sem qualquer senso crítico do que estão fazendo, ao cometer crimes, na maior parte das vezes, atrozes, com uma frieza desumana. Depois, esse criminoso é o juiz mais severo de si próprio. Qualquer relação indireta com o crime lhe angustia intensamente. Diante dessa situação, ele confessa, por necessidade de exteriorizar seus sentimentos, como de assegurar-se através da opinião alheia, se aquilo que fez é realmente tão horrível.

O súcubo do par criminoso: é uma categoria intermediária entre os passionais e os ocasionais, não resistem à uma sugestão criminosa. O ato criminoso não está de acordo com a sua personalidade humana e isso posteriormente lhe provoca uma reação imediata, que o faz confessar. Se a sugestão provém da pessoa que ama, consegue-se provocar uma deformidade na personalidade psico-ética do futuro agente. É o caso, por exemplo, dos que cometem um homicídio e ainda no local do crime, saem correndo, gritando, como loucos. Alguns desses são débeis mentais, excitados por bebidas alcoólicas; depois do efeito da bebida, confessam.

Loucos:
cometem crimes geralmente por delírios de perseguição e por ciúmes. O doente mental tem idéia do que é lícito e do que é ilícito, mas de acordo com os sintomas da doença, essa noção deixa de ser tão nítida. Ao confessar o crime, a preocupação que eles têm é de contar nos mínimos detalhes, as perseguições e coações que o levaram a praticar o crime, achando que efetivamente estão se defendendo. O louco, é bem verdade, não perdeu todo o seu sentimento de sociabilidade e por isso pode chegar a omitir ou até a mentir. Nessa categoria de doentes, as regras não são absolutas.

PSICOLOGIA JUDICIÁRIA E O INSTITUTO DA CONFISSÃO - V

Os paranóicos com delírio de grandeza: esses confessam imediatamente, glorificando sua ação, perdendo assim a idéia de criminalidade. Estão satisfeito com o que fizeram, achando inclusive merecedores do reconhecimento alheio, da fama, da imortalidade.

Os convencidos de ter agido com justiça: são os que planejaram todos os detalhes da vingança, mas mesmo depois de cometer o crime, não se saciaram, não voltaram ao estado anterior ao ódio e por isso esse sentimento permanece, inclusive na hora de confessar o crime.

Os fenasténicos:
o remorso nesses criminosos é raro, assim como o receio pela pena. Confessa de forma fria e precisa, devido à uma anestesia afetiva. Geralmente praticam crimes sexuais, não achando que seja crime violentar a liberdade sexual alheia; confessam, sorrindo!

Possuem uma vaidade infantil, devido ao interesse que despertam, pois é pela primeira vez, objeto de curiosidade. O crepitar do fogo, por exemplo, num homicídio, soa como música! Quando negam o crime é por medo de serem maltratados; se tranqüilizados, terminam por confessar.

Depressivos: nos melancólicos, há o delírio de culpa que pode fazer com que confessem crimes que nem existiram realmente, diante da extrema necessidade de sofrer.

Os habituais e os natos: tem uma necessidade orgânica de cometerem crimes, logo dificilmente confessam, pois não têm a noção da gravidade do que fizeram. Às vezes são tão cínicos que confessam por vaidade, inclusive crimes que não cometeram, para se engrandecer. Por terem grande prática judiciária, eles sabem que enquanto houver dúvidas, há possibilidades de escapar e assim, procuram confundir a todos. São criminosos que realmente deveriam ser mais estudados, diante da impunidade e das práticas processuais atuais.

Delinqüentes políticos: esses confessam com alegria, com ostentação, porque até a confissão faz parte de seu programa! Muitos sob a aparência de um ideal à atingir, escondem um desequilíbrio psicológico. São ambiciosos e as penas além de não serem temidas, são geralmente desejadas. Nada disso ocorre com os aventureiros da política que sempre negam e até renegam a sua fé pública. No Cristianismo, existiram vários desses delinqüentes que tinham paixão pelo martírio. Atualmente, é mais freqüente entre os orientais, mas esses não são os únicos.

É importante ressaltar a existência desses delinqüentes, pois muitas vezes são considerados inimputáveis diante do Direito e assim, o conceito de justiça fica conturbado, ao se admitir que essas pessoas, não são sempre punidas, mas voltam a praticar crimes horríveis diante de toda a sociedade. Ademais, muitos são difíceis de serem identificados.

PSICOLOGIA JUDICIÁRIA E O INSTITUTO DA CONFISSÃO – VI

VII. Conclusão:

Diante do que foi dito, percebe-se que a mente humana tem várias falhas e vícios decorrentes da vida e da própria personalidade. Não se está aqui contra ou a favor da confissão, apenas ressaltando-a diante de sua importância, para um justo julgamento, em face do descaso com que na prática é tratada.

Os humanos são pessoas racionais e teoricamente inteligentes emocionalmente, mas não são perfeitos. Os agentes do Direito, que lidam com o processo penal mais especificamente, deveriam estar mais atentos a esses critérios de avaliação, às características de certos delinqüentes, para melhor cumprirem seu dever perante o Estado.

É uma deficiência do próprio Estado, que pouco se preocupa com os doentes, pobres e necessitados que se veem em juízo, e nem sabem se defender, por desconhecerem a sua posição de cidadão que têm diretos e deveres. O direito de permanecer calado garantido pela Constituição é um avanço para a sociedade, não configurando mais a confissão.

Muito ainda teria a ser dito sobre esse instituto tão pouco analisado filosoficamente pelo Direito. A psicologia deveria estar para o Direito, na mesma proporção que estão a moral e a ética, pois só assim, estaríamos melhor preparados para entender o valor da confissão e sua veracidade.


PSICOLOGIA JUDICIÁRIA E O INSTITUTO DA CONFISSÃO - FINAL

BIBLIOGRAFIA:

ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. II Personagens do Processo Penal. Coimbra:
Armênio Amado, editor e Sucessor. Vol. 03, 1957.

MALATESTA, Nicole Franmarino Dei. A lógica das provas, 2ª edição, tradução de J. Alves de Sá,
Livraria Clássica Editora, 1927.

FARIAS João Jr. Manual de criminologia. Curitiba-Paraná: EDUCA 1990.

ACOSTA Walter. O processo penal. 19. Edição. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1989.

MIRABETE, Júlio. Processo Penal. 7ª edição. São Paulo: Atlas, 1997.

MIRABETE, Júlio. Manual de Direito Penal, vol. 01, 8ª ed., Atlas: 1994.

NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. Saraiva 9ª edição, 1995.

CONSULEX, Revista Jurídica, Ano I- nº 07- Julho/97.

http://74.125.47.132/search?q=cache:BnKAZMiz21EJ:www.jfrn.gov.br/docs/doutrina85.doc+quem+comete+um+crime+n%C3%A3o+r%C3%A9u+confesso+consegue+ficar+anos+preso+sem+confessar+os+seus+crimes&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

A morte de Isabella

Eliseu Mota Júnior

Na noite de 29 de março de 2008, em São Paulo, a garota Isabella Nardoni, então com cinco anos de idade, morreu depois de, supostamente, ter sido atirada pelo seu próprio pai, Alexandre Nardoni, de uma janela do sexto andar do edifício onde ele morava com Anna Carolina Jatobá e dois filhos do casal. De acordo com a polícia, quando foi lançada Isabella ainda estava viva, em estado de letargia por causa de uma asfixia praticada pela madrasta, ainda no carro da família, pouco antes de ser levada para o apartamento de onde foi lançada.

No momento em que estas linhas são escritas, o casal está preso preventivamente e execrado publicamente, tanto por uma parte da mídia sensacionalista, quanto por pessoas que se acham no direito de julgar e condenar suspeitos, ignorando que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", conforme garante a Constituição Federal (art. 5º, inciso LVII- clique aqui).

Além disso, os acusados negam a autoria desse hediondo crime desde a sua ocorrência, pesando sobre eles apenas indícios que, embora sérios, não são provas. De fato, de acordo com o Código de Processo Penal (clique aqui), "considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias"(art. 239).

Aplica-se o indício por meio do silogismo, que é um raciocínio composto de termos que formam, combinada e seqüencialmente, três proposições lógicas, denominadas premissa maior, premissa menor e conclusão. A premissa maior é sempre uma norma geral ou uma regra da experiência e pode ser objeto de uma indução; a premissa menor é sempre um fato e de ambas chega-se à conclusão por dedução.

Eis um exemplo da aplicação prática do silogismo indiciário: pela experiência, toda pessoa encontrada ao lado de um cadáver, com a arma do crime na mão, provavelmente foi o autor do homicídio (premissa maior); fulano foi encontrado nessa situação e não conseguiu apontar o verdadeiro culpado (premissa menor); logo, é provável que fulano tenha matado a vítima (conclusão).

Diante disso, quando Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá forem a júri popular, acusados pela morte da garota Isabella, uma de três hipóteses irá ocorrer. A primeira é que, embora inocentes, sejam condenados, com base nos indícios, a uma longa pena de prisão e a justiça humana terá cometido mais um erro judiciário. Na segunda alternativa, tomados pela dúvida, os jurados absolverão os dois e eles, posto que culpados, ficarão impunes diante da lei dos homens. Por último, na terceira e mais provável hipótese, ambos serão condenados porque realmente foram os autores do crime em questão.

Do ponto de vista espírita, as evidências reencarnatórias saltam aos olhos, a começar pela coincidência de nomes. De fato, as duas mulheres do triângulo amoroso têm o mesmo prenome, com a pequena e providencial diferença de uma letra em Anna Carolina Jatobá, cujo pai (Alexandre Jatobá) tem o mesmo prenome do seu marido (Alexandre Nardoni). Este último, quando tinha 21 anos de idade começou um namoro com Ana Carolina Oliveira, a mãe de Isabella.

Três anos depois, durante a gravidez dela (com quem, aliás, nunca conviveu); Nardoni entrou na faculdade e iniciou um romance paralelo e tumultuado com Anna Carolina Jatobá, com repetidas cenas de ciúmes e agressões recíprocas, que se prolongaram ao longo da vida em comum do casal, que teve dois filhos, irmãos unilaterais de Isabella, a qual, vivendo com a mãe, passavam fins de semana com o pai e sua família, até o dia fatídico da sua trágica e prematura morte.

E por que Isabella teve sua vida brutalmente interrompida? Conforme ensina o Espiritismo, "A curta duração da vida da criança pode representar, para o Espírito que a animava, o complemento de existência precedente interrompida antes do momento em que devera terminar, e sua morte, também não raro, constitui provação ou expiação para os pais" (questão 199 de O livro dos Espíritos).

Assim, tenha sido assassinada pelo próprio pai com a participação da madrasta, ou por terceira pessoa, Isabella viveu o tempo necessário para completar o resíduo que faltava de uma vida pretérita, precocemente interrompida. Se os autores foram realmente os acusados Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, ambos terão de expiar a falta diante da lei humana e da justiça divina; caso sejam inocentes, estão sendo submetidos a uma dura provação, juntamente com a mãe biológica Ana Carolina de Oliveira, mas o verdadeiro criminoso, na ocasião certa, terá o seu próprio acerto de contas.

De qualquer forma, fica o consolo de que Isabella, que também coincidentemente nasceu no dia 18 de abril, data em que se comemora o lançamento de O livro dos Espíritos, após breve passagem pelo mundo espiritual, deverá reencarnar para nova existência, só que desta vez livre de dívidas pretéritas.

Promotor de Justiça aposentado e professor universitário
http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=60815