domingo, 2 de novembro de 2008

A tragédia do ABC: um borderline mata VI

Quanto à malsucedida operação policial de resgate, não se questionam o preparo dos negociadores militares para o trato em seqüestros sujeitos às leis gerais desses crimes, e conseqüentemente aos padrões, protocolos internacionais de ação eficaz. Em casos tais, inquestionavelmente, é a Polícia paulista detentora de um preparo acima da média. Entretanto, o caso em tela exigia o trato por profissionais detentores de aprofundado conhecimento sobre o transtorno referido.

O primeiro passo para a possibilidade de êxito numa negociação é o conhecimento sobre a personalidade do interlocutor, daí a importância de ser traçado um perfil psicológico do mesmo, quando possível. No epigrafado episódio, em se tratando, o autor do delito, de um homem comum, de hábitos comuns, seria fácil a acessibilidade às pessoas de seu convívio, e em se considerando que o delito de prolongou por quase uma semana, restaria perfeitamente possível à construção de seu perfil psicológico.

Tal fato seria levado a cabo por uma equipe multidisciplinar que catalogaria e analisaria cada reação do delinqüente, e à luz dos informes obtidos através de amigos, familiares, professores e chefes do mesmo,facilmente traçariam esse perfil psicológico que permitiria, com elevado índice de probabilidade, a previsão de suas reações nas mais diversas situações de desenlace do conflito. Não parece ter sido adotada tal providência.

O demonstrativo dessa omissão, a estranheza, o espanto com o qual o comandante da operação falava sobre a dificuldade de condução da negociação, referindo-se à característica do criminoso, que mudava constantemente de estado de humor e de postura, durante o período em que permaneceu mantendo as jovens em cárcere privado.


Ora, o conhecedor, mesmo teórico, do transtorno da personalidade Borderline, ante essas características, associada à motivação dos crimes, o abandono afetivo por sua ex-namorada, já suspeitaria estar diante do Borderline, e indicaria com certeza a necessidade de buscar ajuda junto a um terapeuta, psicólogo ou psiquiatra, estranho à órbita policial (facilitando assim a possibilidade de algum esboço de processo de identificação e transferência do autor dos crimes – processo difícil de se estabelecer com os negociadores militares, despreparados para circunstâncias tais e representantes do sistema que amedronta e intimida o paciente).