sexta-feira, 9 de abril de 2010

Clamor Popular Faz Justiça?




Flávia Nascimento

Ao acessar o Blog de Marcos Guterman ( O Estado de São Paulo), li pela primeira vez um artigo que fato tocava alguns graves problemas da sociedade brasileira revelados por esse horrível fait divers. A análise de Guterman acertava em cheio: sim, havia traço de fascismo no comportamento da turba ensandecida que durante toda semana do julgamento este agrupada diante do Fórum de Santana para acompanhar os trabalhos dos jurados.

O local do julgamento deveria ter sido isolado e os agrupamentos ali, proibidos. Por que não? Lembremos que, quando uma estrela qualquer da pop music vem ao Brasil, as forças da ordem se prontificam a fazer um cordão de isolamento para que o artista se desloque confortavelmente.

Ora, o júri popular é, no mínimo, controvertido. Parece legítimo perguntar se não deveria ser abolido. A defesa desse tipo de tribunal de júri me parece pura demagogia. Se estou certa, ele é herança da revolução burguesa e é claro que teve sentido naquele momento em que a burguesia ascendente derrubava o Antigo Regime. Hoje, contudo, é obsoleto e não está à altura de uma Justiça que se queira equilibrada, isenta, "científica" (respaldada por perícia) e que se pretenda serena (não emotiva). Basta pensar nos aspectos altamente técnicos de julgamentos desse tipo para se convencer de que nem sempre os cidadãos comuns estão de posse das ferramentas indispensáveis para opinar.

Segundo o desembargador Edison Brandão, a magistratura brasileira está dividida em relação à eficácia do júri popular e, no meio dos juristas, estão em curso atualmente várias discussões sobre essa prática (muitos são contra o júri popular, de acordo com o desembargador).

Segundo o desembargador Edison Brandão, a magistratura brasileira está dividida em relação à eficácia do júri popular e, no meio dos juristas, estão em curso atualmente várias discussões sobre essa prática (muitos são contra o júri popular, de acordo com o desembargador).

O julgamento do casal Nardoni teria sido o momento adequado para que tais discussões fossem levado à sociedade brasileira, pois são de seu interesse. Em vez de contribuir para publiazar esse debate ( utilizo aqui esse verbo em seu sentido primeiro, que nos vem do Iluminismo) a grade mídia tanto impressa quanto a eletrônica preferiu escolher a dedo os experts entrevistados, dando a palavra apenas àqueles que aplaudem incondicionalmente a prática do júri popular.

Vejo no "caso Isabella" uma evocação da obra-prima de Fritz Lang: M., o vampiro de Dusseldorf (1931). O filme do mestre germânico, considerado por muitos como uma metáfora da ascensão do nazismo, foi baseado num fait divers célebre na Alemanha, ocorrido no final da década de 20 do século passado, quando um sádico aterrorizou aquela cidade com assassinatos em série de mocinhas, diante de uma polícia impotente.

A comparação não vem do enredo em si, que nada tem a ver com o crime de São Paulo, mas há algo de M no espetáculo assombroso propiciado pelos populares irados que , plenos de religiosidade ( cartazes e camisetas invocando justiça divina), atiram pedras em camburões, urraram pela condenação dos réus um deles chegando agredir fisicamente a Dr. Podval defensor do casal julgado (ele levou um soco na barriga em pleno fórum!), violaram o espaço privado dos familiares de um dos réus (pichações insultando nos muros da casa de seus pais) e finalmente, comemoram alegremente a leitura da sentença com rojões (um dos tios da menina assassinada declarou ter gostado daqueles festejos que para ele lembravam “dia de jogo de futebol”...)

Também penso em Brecht, que teria sem dúvida visto nessas preocupantes manifestações sinais de mau agouro para o futuro da sociedade brasileira.

Não tenho meios para me pronunciar sobre a inocência do casal condenado nem tampouco sobre a sua culpabilidade ( não teria porque fazê-lo afinal não conheço o processo e nem sequer sou jurista. Mas como cidadã brasileira , clamo pelo direito que esse casal teria tido e continua tendo, como qualquer um de nós que porventura venha um dia ocupar justa ou injustamente, o lugar de um réu a um julgamento realizado em condições de total respeito às leis brasileira. Não creio que tais leis tenham sido respeitadas a risca.


Doutora em Letras e Ciências Humanas pela Université de Paris X Naterre, é professora de Teoria Literária na UNESP.
Tirado do Jornal Estado De São Paulo - 08/04/2010


Juiz reclama de subjetividade do promotor




Com postura firme e fisionomia fechada, o promotor Francisco Cembranelli caminhava pelo Plenário ansioso antes da entrada de Ana Carolina Oliveira, que minutos depois prestara o seu depoimento contra o casal Nardoni. O casal é acusado de matar a filha de Alexandre, Isabella, em março de 2008.

Durante as perguntas, a narrativa do promotor foi interrompida diversas vezes. Prudente, o juiz Maurício Fossen pediu objetividade a Francisco Cembranelli, que tentou a todo o momento traçar o perfil de Alexandre como sendo um pai ausente e agressivo, mas com perguntas mal elaboradas e mais subjetivas. “Peço ao senhor que faça a pergunta certa e dirigida a pessoa certa”, disse o juiz em uma das ocasiões.

Cembranelli ainda tenta mostrar que o perfil de Anna Carolina Jatobá é passional. A palavra ciúmes, por exemplo, foi citada quase 10 vezes, durante o depoimento. Antes mesmo de começar o depoimento, a mãe da menina se recusou a entrar pelo lado em que estavam sentados Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá.

A cadeira em que ela sentou foi inclinada mais para esquerda, para afastar seu olhar dos réus, que estavam sentados à direita. O pedido foi feito pela própria. A fisionomia corporal dos réus era praticamente inerte. Anna Jatobá cruzou as pernas e Alexandre entrelaçou as mãos. Essa postura só foi interrompida quando Alexandre tentava desaprovar com gestos algumas declarações da mãe de sua filha.

As Anas choravam quase que simultaneamente. As lágrimas eram provocadas pela retrospectiva do caso, feito pela mãe da garota. Logo depois, a assistente do promotor, Cristina Christo Leite, fez as mesmas perguntas subjetivas já feitas pelo colega Cembranelli. Neste momento, Anna Jatobá permaneceu escondida atrás de uma viga de concreto da sala. E Alexandre olhava atentamente para o rosto da mãe de sua filha, que tinha a voz embargada.

O juiz Fossen se preocupou em dar uma aula prática e rápida aos jurados sobre a dinâmica do Tribunal do Júri. Ele também pedia a todo momento que os jurados não se deixassem se levar pela emoção passada pela mãe de Isabella. O depoimento da mãe de Isabella durou mais de duas horas e foi interrompido às 21h55. No final, o advogado de defesa, Roberto Podval pediu para ela ficar para possível acareação. Por isso, ela terá de ficar disponível até o encerramento do Júri.

Na saída do Fórum, o promotor criticou o pedido da defesa. Segundo Cembranelli, faltou bom senso aos advogados do casal Roberto Podval e Roselle Soglio. “A conduta é lamentável, pois a Ana Carolina de Oliveira já sofre com a morte da filha e ainda ficará impossibilitada de acompanhar o julgamento dos assassinos ao lado de seus familiares. O promotor explica que ela terá de ficar isolada, caso tenha de fazer acareação. O que pode piorar ainda mais o seu estado emocional.

http://www.conjur.com.br/2010-mar-22/juiz-reclama-perguntas-subjetivas-promotor-cembranelli

Podval e Cembranelli se desentendem em Júri



Gláucia Milício

O quarto dia de julgamento do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, acusados de matar a menina Isabella há dois anos, começou nesta quinta-feira (25/4) com o depoimento de Alexandre Nardoni, que chorou por duas vezes. Durante as declarações do pai de Isabella, a defesa e a acusação se desentenderam. O juiz Maurício Fossen, responsável pelo caso, ameaçou a indeferir as perguntas tanto da defesa quanto da acusação.

O mal-estar foi motivado pela falta de cuidado de Cembranelli que citava diversos trechos do depoimento de Anna Carolina Jatobá para confrontar com as respostas de Alexandre no plenário, sem citar em quais folhas estavam no processo. O que impossibilitava a defesa de acompanhar a leitura. Irritado, Podval levantou diversas vezes do seu lugar para protestar.

O ponto alto da indignação do advogado se deu quando o promotor, com dedo em riste, afirmou que Podval não havia estudado o processo e, por isso, não conseguia se localizar. Do outro lado, Podval gritou: “Eu não vou ser maltratado aqui”. No meio do fogo cruzado, o juiz pediu paciência e cobrou mais cuidado de Cembranelli.

E ainda deu um pito no promotor. Pediu que ele fizesse perguntas objetivas, sem ironias e que cumprisse a sua brigação. Caso contrário, iria tirar o seu direito de fazer perguntas. Enquanto isso, Alexandre Nardoni era questionado sobre o valor de pensão, a relação que tinha com a família de Ana Carolina Oliveira, o nome da professora e da pediatra de Isabella e detalhes do momento do crime. Alexandre Nardoni reforçou parte de sua versão, de uma terceira pessoa no apartamento, mas dizia não se recordar de muita coisa dita na época de seu depoimento.

Passadas três horas, a sessão foi interrompida com uma pergunta, classificada como impertinente pelo juiz Maurício Fossen. Cembranelli perguntou se Alexandre Nardoni já usava óculos durante o inquérito policial. De maneira irônica, Alexandre Nardoni responde: Eu sempre precisei usar óculos e ultimamente a minha visão tem ficado irritada. O senhor não sabe porque não acompanha a minha vida. Nervoso, o promoter retrucou: Tão irritada a ponto de não chorar pela sua filha. Neste momento, o juiz abriu o intervalo para o almoço. Depois do recesso, Alexandre Nardoni responderá perguntas da defesa. Terminado o seu depoimento, a madrasta de Isabella, Ana Carolina Jatobá será ouvida.

No dia anterior
O terceiro dia de julgamento foi marcado pelo depoimento da perita Rosangela Monteiro, que falou com toda certeza que Alexandre Nardoni “defenestrou a filha pela janela”. Ela mostrou fotos da perícia feita na camiseta que Alexandre usava no dia do crime e constatou que as marcas deixadas são compatíveis com o teste que fizeram com um modelo do porte dele, arremessando um boneco de 25 kg pela janela, que era o peso de Isabella.

Durante as afirmações, o pai da garota demonstrava reprovação com a cabeça. O dia também foi marcada por vais, gritos e xingamentos ao criminalista Roberto Podval, responsável pela defesa do casal. Mais tarde, na hora do almoço, o advogado quase foi agredido por populares.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Funcionária algemada no Carrefour por suspeita de furto receberá indenização




As empresas Carrefour e Atra Prestadora de Serviços em Geral foram condenadas ao pagamento de indenização no valor de R$ 50 mil, por danos morais, a uma promotora de vendas que foi algemada após ser acusada de furto. A decisão é do TRT-RS (Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul).

O caso ocorreu em 2007, quando a promotora de vendas foi acusada pela equipe de segurança do supermercado (Atra) por furto de uma caixa de lápis de cor. Ela foi algemada na frente de colegas e clientes, e levada para uma sala onde, segundo ela, foi coagida a assinar um termo de furto.

Em depoimento, um fiscal do Carrefour contou que, primeiramente, os seguranças alegaram que a funcionária havia furtado um pacote salgadinho e uma garrafa de vinho. Ele mesmo avisou que aquilo era um engano, pois ela havia comprado os produtos e os levou para dar vista, feita por ele mesmo na função de fiscal.

Em seguida, os seguranças encontraram no balcão da promotora uma caixa de lápis de cor que não tinha passado pela vista, acusando-a novamente. Entretanto, ficou comprovado que o lápis fora fornecido pela agência de publicidade, para escrever cartazes. A funcionária, há pouco tempo na função, alegou que não sabia que o produto deveria passar por vista nesse caso.

Os funcionários da segurança a obrigaram a assinar um termo de furto. Se não fosse assinado, ela não teria de volta seus documentos. A Brigada Militar foi acionada e as partes conduzidas a uma delegacia para registro de ocorrência. A promotora de vendas compareceu ao departamento pessoal da Atra, onde foi demitida por justa causa.

Como ela não queria que a justa causa ficasse registrada em sua carteira de trabalho, resolveu pedir demissão, que foi aceita pela empresa. Ao fixar em R$ 50 mil o valor da indenização por dano moral, a 5ª Turma considerou que a funcionária foi humilhada e submetida a grande constrangimento.

O pedido de demissão foi revertido para despedida sem justa causa, por vontade da empregadora, fazendo jus a autora aos valores da rescisão e às guias do seguro desemprego. As empresas ainda podem recorrer da decisão.

http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/FUNCIONARIA+ALGEMADA+NO+CARREFOUR+POR+SUSPEITA
+DE+FURTO+RECEBERA+INDENIZACAO_68742.shtml

terça-feira, 6 de abril de 2010

Roberto Podval. O advogado do diabo…




A primeira pergunta para o criminalista Roberto Podval é tão inevitável quanto é certo que a resposta não vai ser conclusiva: “Quanto o senhor ganha para defender o casal Nardoni?” O advogado esquiva-se, diz que o valor é muito menor do que se imagina e que seria uma deselegância com seus próprios clientes revelar o valor da contratação.

A segunda é quase uma reformulação da primeira: “O senhor pegou o caso então por conta da exposição?” A resposta desta vez vem em forma de perguntas. “Qual a vantagem de aparecer por um caso que você já sabe que vai perder? Ainda mais em uma circunstância em que qualquer erro pode causar danos à sua imagem profissional?”

Podval usa um exemplo da profissão de repórter para explicar o que o levou a defender um pai e uma madrasta acusados de esganar uma menina de 5 anos e depois jogá-la pela janela. Ele lembra que os correspondentes de guerra vão ao front apesar dos riscos inerentes à situação e não tomam a decisão por serem os jornalistas de maior salário de uma redação. “Para ser um grande advogado é preciso estar nos grandes casos.”

Sem imaginar que seria agredido a socos e chutes na porta do Fórum, em um dos dias do julgamento de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, o advogado garante que a decisão de aceitar defendê-los não foi fácil. Diz ter demorado um ano para aceitar a proposta de assumir a defesa do casal. Sua decisão contrariou a vontade de seus familiares e amigos, que o preferiam longe do caso.

Tomada a decisão, recebeu centenas de mensagens por correio eletrônico e telefonemas. Representantes de seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o parabenizavam pela coragem de assumir o caso, integrantes de diversos grupos religiosos o procuraram e mensagens psicografadas foram oferecidas. Garante que respondeu a todos, inclusive aos que escreviam apenas para xingá-lo.

Em geral, as causas dos advogados criminalistas não são populares, pois na maioria dos casos o papel que lhes cabe é o de defender o acusado de um crime. Podval construiu uma carreira na defesa de réus em crimes financeiros e de corrupção. O ex-secretário de Comunicação do PT Marcelo Sereno, o ex-senador Luiz Estevão e Kia Joorabchian, representante do fundo MSI, que teve parceria com o Corinthians, estão entre seus clientes.

Em casos de crime de sangue, atuou em dois de grande destaque: defendeu o médico Farah Jorge Farah, que matou e esquartejou uma paciente com quem tivera um caso, e Sérgio Gomes da Silva, acusado de ter participado do assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel. Apesar de ter atuado em casos emblemáticos, Podval garante nunca ter sentido um clamor público tão forte quanto neste caso. “Acredito que o papel dos formadores de opinião e a reação das pessoas durante o julgamento será assunto de uma investigação sociológica daqui a alguns anos.”

O advogado conta que suas duas filhas, de 5 e 9 anos, voltaram um dia da escola interessadas em saber o motivo de ele defender um pai acusado de matar a própria filha. O caso Nardoni foi o 16º júri de sua carreira. Naquela semana, segundo dados do Tribunal de Justiça de São Paulo, foram realizados outros 55 júris na capital paulista.

Além do julgamento dos acusados de matar a garota Isabella, apenas um segundo caso mereceu atenção da mídia, apesar de ter recebido uma cobertura infinitamente menor: o julgamento de três policiais militares e um comerciante acusados de participar do assassinato do jornalista Luiz Carlos Barbon Filho, que havia denunciado um esquema de pedofilia na cidade de Porto Ferreira, no interior do estado, a envolver empresários e políticos locais.

Ainda segundo o tribunal, 70 jornalistas participaram da cobertura do caso Nardoni. Quando se acrescentam técnicos, cinegrafistas, ilustradores (não era permitido fazer fotos dentro da sala de julgamento) e fotógrafos, o número de profissionais de imprensa pula para 250. Como não havia espaço suficiente para todos (a sala do júri tem apenas 77 lugares) e para evitar confusões, uma reunião com o desembargador Carlos Teixeira Leite Filho foi feita dias antes do início do julgamento.

Organizou-se um revezamento para que todos pudessem acompanhar trechos do julgamento. “Não gosto de jogo de palavras, mas preciso dizer neste caso que nosso trabalho foi criar alguma normalidade em uma situação absolutamente anormal”, diz o desembargador, que tem 28 anos de experiência como juiz. Em outro jogo de palavras, ele explica que o tribunal precisava conciliar o interesse público com o interesse do público pelo caso.

Curiosos chegavam de madrugada ao tribunal, na esperança de conseguir senha para acompanhar parte do julgamento. A estimativa do TJ-SP é de que 300 indivíduos passaram pela sala durante o julgamento, além de representantes da OAB-SP, do Ministério Público e familiares de réus e vítimas. A maioria da platéia acumulava-se do lado de fora dos portões, como uma torcida uniformizada nas arquibancadas. Dentro, convidados Vips acompanhavam o julgamento.

Era o caso da autora de telenovelas Glória Perez, que teve a filha Daniella Perez assassinada em 1992, e do professor Luiz Flávio Gomes. Dono da rede de cursos de pós-graduação e preparatórios para concursos públicos e exames da OAB que leva o seu nome, Gomes tentou usar seu Twitter para transmitir o julgamento em tempo real. Advertido pelo juiz, teve de se contentar com saídas da sala a cada hora e o papel de especialista de plantão para diversos órgãos de imprensa.

Segundo comentários na Justiça, a comoção em torno do crime, cometido em março de 2008, dobrou o número dos que se apresentam voluntariamente ao posto de jurados. Nesses dois anos, o Ministério Público recebeu centenas de mensagens que parabenizavam o promotor de Justiça Francisco Cembranelli pela coragem e que diziam acreditar na condenação do casal Nardoni. Da sentença até a terça-feira 30, foram 48 mensagens que expressavam esperança na Justiça após a condenação. O pai pegou 31 anos de cadeia. A madrasta, 26.

Mais do que defender os acusados de matar uma menina de 5 anos, o papel de vilão de Podval havia sido reforçado pela decisão de manter a mãe de Isabella, Ana Carolina de Oliveira, incomunicável durante o julgamento. O motivo da permanência dela em uma sala separada do local onde era realizado o júri foi a possibilidade de a defesa querer uma acareação dela com os acusados.

Em sua defesa, o advogado diz que a própria Ana Carolina se colocou como assistente de acusação e testemunha. “Não poderia abrir mão da possibilidade de fazer a acareação. Eu não estava lá apenas para garantir que houvesse um advogado de defesa para que o julgamento pudesse ocorrer, tinha de defender meus clientes”, afirma. Segundo Podval, a desistência da acareação da mãe de Isabella com o pai e a madrasta da menina foi uma decisão tomada por ele e pelos réus depois de saberem que Ana Carolina havia passado mal.

Se o júri já é cansativo para quem o acompanha, fica ainda mais desgastante para quem está na acusação ou na defesa. Além do que já foi preparado nos últimos dois anos, os depoimentos de cada dia precisam ser analisados para traçar novas estratégias para a continuação do julgamento. Neste momento, o blefe e as jogadas que têm como único objetivo desestabilizar o adversário são métodos comuns. Podval cita dois exemplos do que fez.

Comprou o reagente Blue Star, usado pela perícia nas amostras de sangue, e anunciou que levaria para debater o trabalho da Polícia Técnica com a perita Rosângela Monteiro. Era apenas um blefe. Propôs, no meio do julgamento, a exibição da animação que reconstituía a versão dada por policiais e promotores. Foi uma forma de evitar que Cembranelli usasse as imagens no fim para impressionar os jurados. O promotor também usou seus truques para surpreender a acusação.

O criminalista conta que o seu dia começava às 7 da manhã. Com a tevê ligada, acompanhava o momento em que os réus saíam da cadeia rumo ao tribunal. Chegava ao prédio do julgamento por volta das 9 da manhã e permanecia até as 9 da noite. Terminada a sessão, a equipe de advogados de defesa, formada por seis advogados, reunia-se em sua casa para avaliar o dia e preparar a estratégia do seguinte. Não raro, o trabalho estendia-se até as 4 da manhã.

Cansado pelo excesso de trabalho e sob a pressão do caso em si, aumentada pelo clamor popular, o advogado chorou na sexta-feira 26. “Estava me sentindo impotente. Foi um desabafo.” Horas depois, um sistema de som improvisado por emissoras de rádio transmitia a leitura da sentença do juiz.

O SBT, a Record, a Bandeirantes e a GloboNews transmitiam ao vivo o pronunciamento de Maurício Fossen. A decisão de veicular o áudio da decisão partiu do próprio juiz, mas consta que a hipótese havia sido tratada em reuniões preliminares entre a Comissão de Imprensa do TJ, Fossen e a diretora do Fórum de Santana. Gritos, palmas e fogos de artifício na porta do prédio. Como todos esperavam, o casal havia sido condenado.

Terminada a leitura, a comemoração pela sentença continua em frente ao prédio onde mora a mãe de Isabella, também na zona norte paulistana. Emocionada, Ana Carolina acena da sacada. Alguns ainda batem nos caminhões da Secretaria de Administração Penitenciária que levam o casal Nardoni de volta ao presídio em Tremembé.

Cembranelli dá uma entrevista coletiva em que fala sobre a sua vitória no julgamento. Podval diz que não vai falar, pois a estrela da noite é o promotor, que conseguiu a condenação máxima, e segue para casa. O criminalista conta que não dormiu naquela noite, nem na seguinte. Afirma que só conseguiu descansar após receber um telefonema de Antônio Nardoni, pai de Alexandre, na noite de domingo. “Ele me falou que os réus agradeciam pelo meu empenho. Neste momento, fiquei mais tranquilo.”

Fonte: Carta Capital

Quais fatores interferem nas estatísticas da violência?


Inicialmente, há que se ter em mente que a principal fonte de informação da mortalidade é a Declaração de Óbito (DO). Logo, o preenchimento correto desse documento é de primordial importância. Todavia, médicos há que não sabem preencher a DO ou mesmo podem faze-lo de forma a suprimir, intencionalmente, algumas informações imprescindíveis, para que se possa, por exemplo, contabilizar os homicídios, reduzindo-os de forma falsa.

Há muito venho protestando contra a péssima qualidade do ensino da Medicina Legal, tanto nas escolas de medicina e de direito quanto nos Cursos de Formação de Perito Legista, das Academias de Polícia das Unidades da Federação. E dentre os ensinamentos necessários inclui-se o estudo do correto preenchimento da DO.

Em tese, não só os médicos, mas em especial os peritos legistas deveriam saber esta matéria com profundidade, uma vez que é assunto obrigatório oferecido pelo currículo médico, nas disciplinas de epidemiologia e medicina legal, assim do currículo dos Cursos de Formação de Perito Legista, das Academias de Polícia das Unidades Federativas. Na prática, isso não é verdadeiro.

Há uma postura de absoluto e flagrante descaso no preenchimento da DO, por parte de médicos, como um todo, e peritos legistas, em particular, que não vêem, nesse documento médico-legal, a importância que ele tem, tanto do ponto de vista epidemiológico – estatístico –, como do ponto de vista ético e legal.

Quais fatores interferem nas estatísticas da violência? II

Nos casos de morte violenta o preenchimento, como sói óbvio, fica a cargo do perito legista. Na DO, no número VI, campo 49 – Causas da Morte (Parte 1), o perito legista escriturará o raciocínio da CAUSA MORTIS, discernindo desde o estado mórbido de base até o diagnóstico que desfechou o quadro. Assim, suponhamos que um homem foi atingido por um tiro na cabeça, transfixante, ocasionando-lhe fraturas do crânio e lesão do cérebro. Nesse exemplo o perito legista escriturará:

“FERIDA TRANSFIXANTE DA CABEÇA, COM FRATURAS DO CRÂNIO E LESÃO DO ENCÉFALO – AÇÃO PÉRFURO-CONTUNDENTE”. Até ai, tudo bem. Mas, e quanto a indicação da Causa Jurídica – homicídio, suicídio, acidente? E, em se tratando de homicídio, como se pode inferir a intencionalidade do ato? Simples.

No número VIII, campos 56 a 59 – PROVÁVEIS CIRCUNSTÂNCIAS DE MORTE NÃO-NATURAL (Informações de caráter estritamente epidemiológico) –, temos: campo 56- TIPO:
1-Acidente;
2- Suicídio;
3-Homicídio;
4- Outros;
5- Ignorado;

campo 57 – ACIDENTE DO TABALHO:
1- Sim;
2- Não;
3- Ignorado;

Campo 58- FONTE DE INFORMAÇÃO:
1- Boletim de Ocorrência;
2- Hospital;
3- Família;
4- Outra;
5- Ignorada;

Campo 59- DESCRIÇÃO SUMÁRIA DO EVENTO, INCLUINDO O TIPO DE LOCAL DE OCORRÊNCIA; campo 60- SE A OCORRÊNCIA FOR EM VIA PÚBLICA, ANOTAR O ENDEREÇO. Logo, podemos concluir que a DO fornece, em termos estatísticos, as informações preciosas e necessárias para o estudo da violência nos Municípios, Estados e Federação.

Quais fatores interferem nas estatísticas da violência? III

No tocante às informações que citamos, ocorre que inúmeros peritos legistas – talvez a imensa maioria – preenchem incorretamente o campo 49 e raramente preenchem os campos 56 a 60. Então, se o raciocínio de diagnóstico da CAUSA MORTIS não estiver claro e os itens 56 a 60 não forem preenchidos, qualquer levantamento estatístico estará deveras comprometido em sua essência.

Na maioria dos casos, as erronias e as omissões das informações da DO são motivadas pela ignorância do perito; todavia, não se pode olvidar também a possibilidade da sonegação das informações ser intencional, ou seja, dolosa, para dificultar o levantamento e assim dar uma falsa impressão de controle ou mesmo redução da violência.

Aqueles que pensam que as erronias principiam no preenchimento da DO, enganam-se. Como vimos, o preenchimento dos campos 57, 57 e 59 dependem da FONTE DE INFORMAÇÃO:
1- Boletim de Ocorrência;
2- Hospital;
3- Família;
4- Outra;
5- Ignorada.

O Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) foi desenvolvido e implantado no Brasil pelo Ministério da Saúde em 1975, envolvendo alguns estados que já coletavam essas informações, com o ajuste dos respectivos sistemas, e todos os municípios de capital. Essa iniciativa estava inserida no conjunto definido como básico e essencial para a criação de um sistema de vigilância epidemiológica para o país.

Uma vez preenchida a DO – 3 vias –, duas vias são entregues à família e a terceira via permanece nas Unidades Notificadoras – nesse nosso caso, o INSTITUTO MÉDICO LEGAL AFRÂNIO PEIXOTO (IMLAP) –, devendo ficar, por fim, em poder do setor responsável pelo processamento dos dados no nível municipal ou no estadual.

As Secretarias Municipais de Saúde (SMS) devem providenciar o recebimento das declarações, realizando periodicamente uma busca ativa nas Unidades Notificadoras. A DO preenchida nas Unidades Notificadoras deverá passar, no setor responsável, por uma revisão acurada em seus campos, quando alguns erros mais evidentes logo serão detectados.

Se estiverem em branco variáveis consideradas essenciais, sem uma explicação plausível, recomenda-se a devolução do documento para a unidade geradora, objetivando o preenchimento dos respectivos campos. A mesma rotina deverá ser seguida quando se tratar de erros de preenchimento, para as devidas correções.

Quando isso ocorrer, antes da fase cartorial, basta que o mesmo preencha novo formulário, disponível nas instituições de saúde, anulando a anterior e devolvendo-a para a Vigilância Epidemiológica Municipal. Após a fase cartorial, só uma ação judicial poderá alterá-lo. E, uma vez cumpridas as fases anteriores, os dados deverão ser remetidos para o nível estadual: Diretorias Regionais de Saúde ou, em sua falta, diretamente para as Secretarias Estaduais de Saúde. Os procedimentos do SIM sob a responsabilidade da instância estadual variam dependendo do grau de descentralização dos municípios e do funcionamento das diretorias regionais no estado.

Quais fatores interferem nas estatísticas da violência? - IV

Os Boletins de Ocorrência freqüentemente são escriturados de formas desidiosa e incompleta. E mais, em inúmeras oportunidades, recursos semânticos há que podem mascarar a realidade da violência urbana. A Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ) utiliza-se de certos artifícios, tais como: “morte a esclarecer”; “encontro de cadáver”; “encontro de ossada”; “auto de resistência”. Vejamos então o que cada um desses artifícios pode mascarar.

O “encontro de cadáver” deveria tão-somente traduzir o encontro de, por exemplo, um morador de rua, encontrado morto numa calçada e sem sinais de violência externa. Todavia, na prática, a PCERJ assim denomina, p. ex., o encontro de um cadáver, crivado de tiros e deixado dentro de um veículo automotivo ou mesmo num logradouro público. Ora, ao encontrar-se um homem crivado de tiros é lógico falar-se em homicídio, jamais, e vagamente, “encontro de cadáver”.

Já o “encontro de ossada” também permite mascarar homicídios. Imaginemos o “encontro de uma ossada” num terreno baldio, cujo crânio mostrasse evidentes fraturas de entrada e de saída de projétil de arma de fogo. Indubitavelmente tratar-se-ia de homicídio. Vejamos também outro exemplo: suponhamos o encontro de ossada, no alto de um morro, queimada ou mesmo calcinada, no que os marginais denominam de “microondas”. Pode-se negar, com base no exemplificado, a intenção homicida? Claro que não!

Também policiais podem se utilizar do artifício denominado “morte a esclarecer” ou “fato a esclarecer”. Durante o período em que atuei na sala de necropsias do IMLAP, em diversas oportunidades autopsiei corpos de vítimas de tiros ou agressão à faca, cujas Guias de Remoção de Cadáver noticiavam “fato a esclarecer”. O “fato a esclarecer” permite um desdobramento não menos deletério.

Conforme prevê o ordenamento jurídico, os crimes de homicídio têm como titular da ação penal o Estado, que deve abrir o Inquérito tão logo tome conhecimento do fato através de suas instituições. Na prática, tal medida não é levada a cabo nas delegacias, uma vez que policiais muitas vezes retardam a abertura do Inquérito.

Os motivos dessa extensão dos prazos legais está inserida em uma lógica policial, p. ex., uma das formas identificadas de driblar os prazos legais é por meio de práticas que ,apesar de serem informais, estão institucionalizadas na polícia: a chamada Verificação de Procedência de Informação (VPI). O tempo médio de abertura do inquérito nas Delegacias Legais corresponde a 29,81 dias depois do registro inicial.

O preenchimento da dinâmica do fato muitas vezes é feito com base na informação do comunicante como, p. ex., um policial militar. Aliado a esse fato temos que o comparecimento de delegados de polícia nos Locais de Crime torna-se raríssimo, a exceção dos crimes de grande repercussão em nível midiático, especialmente naqueles que envolvem alguém que seja considerado “very important person” (VIP).

Quais fatores interferem nas estatísticas da violência? -V

Na verdade, delegados de polícia, que única e efetivamente estão investidos da autoridade policial, habitualmente não comparecem aos Locais de Crimes. O Código de Processo Penal (CPP) – Decreto-Lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941 –, em seu TÍTULO II - DO INQUÉRITO POLICIAL, no Art. 6º, prescreve: “(..)LOGO QUE TIVER CONHECIMENTO DA PRÁTICA DA INFRAÇÃO PENAL, A AUTORIDADE POLICIAL DEVERÁ:

I - DIRIGIR-SE AO LOCAL, PROVIDENCIANDO PARA QUE NÃO SE ALTEREM O ESTADO E CONSERVAÇÃO DAS COISAS, ATÉ A CHEGADA DOS PERITOS CRIMINAIS(..)
II - APREENDER OS OBJETOS QUE TIVEREM RELAÇÃO COM O FATO, APÓS LIBERADOS PELOS PERITOS CRIMINAIS(..)
III - COLHER TODAS AS PROVAS QUE SERVIREM PARA O ESCLARECIMENTO DO FATO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS(..)
IV - OUVIR O OFENDIDO(..)
V - OUVIR O INDICIADO, COM OBSERVÂNCIA, NO QUE FOR APLICÁVEL, DO DISPOSTO NO CAPÍTULO III DO TÍTULO VII, DESTE LIVRO, DEVENDO O RESPECTIVO TERMO SER ASSINADO POR 2 (DUAS) TESTEMUNHAS QUE LHE TENHAM OUVIDO A LEITURA(..)
VI - PROCEDER A RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS E A ACAREAÇÕES(..)
VII - DETERMINAR, SE FOR CASO, QUE SE PROCEDA A EXAME DE CORPO DE DELITO E A QUAISQUER OUTRAS PERÍCIAS(..)
VIII - ORDENAR A IDENTIFICAÇÃO DO INDICIADO PELO PROCESSO DATILOSCÓPICO, SE POSSÍVEL, E FAZER JUNTAR AOS AUTOS SUA FOLHA DE ANTECEDENTES(..)
IX - AVERIGUAR A VIDA PREGRESSA DO INDICIADO, SOB O PONTO DE VISTA INDIVIDUAL, FAMILIAR E SOCIAL, SUA CONDIÇÃO ECONÔMICA, SUA ATITUDE E ESTADO DE ÂNIMO ANTES E DEPOIS DO CRIME E DURANTE ELE, E QUAISQUER OUTROS ELEMENTOS QUE CONTRIBUÍREM PARA A APRECIAÇÃO DO SEU TEMPERAMENTO E CARÁTER(..)

Quais fatores interferem nas estatísticas da violência?-VI

Art. 13 do CPM: Incumbirá ainda à autoridade policial(..)
I - fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos(..)
II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público(..)
III - cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias(..)
IV - representar acerca da prisão preventiva(..)”

– GRIFOS E DESTAQUES NOSSOS.
Nesse diapasão, se delegados comparecessem aos Locais de Crimes, providenciando isolamento, custódia e preservação, e dali só se retirassem após findar o trabalho dos peritos criminais, o programa Delegacia Legal permitiu um maior controle sobre o cumprimento de prazos na polícia, pois na tela do computador destaca-se em vermelho quantos dias estão fora do prazo. Isso acarretou maior volume de trabalho para o Ministério Público, fato que levou à criação da Central de Inquéritos.

Uma das críticas feitas em relação a este Programa de Governo é que as Delegacias Legais acabaram por abarrotar o Ministério Público, já que, a partir do Programa, passaram a cumprir os prazos mais corretamente. O Ministério Público, por sua vez, demora muito tempo para despachar e devolver os casos para a polícia para que ela prossiga nas investigações, muitas vezes retendo os inquéritos por mais de três meses.

Desta forma, a maior parte dos inquéritos está na situação “enviado à justiça”, o que significa que eles estão no Ministério Público. Quando o inquérito é enviado definitivamente à justiça, para o oferecimento da denúncia, a situação que consta no banco de dados do SCO da Delegacia Legal é de “Relatado à justiça”. Porém, a maioria dos inquéritos é enviada para a justiça quando o prazo das investigações está encerrado.

Nesses casos, se as investigações não foram concluídas, é solicitado um novo prazo. Contudo, observa-se que nas delegacias de polícia, em alguns casos, os Registros de Ocorrência que estão na situação de “enviados à justiça” podem ter, em realidade, sido denunciados pelo Ministério Público, iniciando assim uma ação penal e por isso não tenham mais retornado à delegacia.

Por exemplo, se o Promotor ao receber o inquérito, mesmo sem a peça que o finaliza – o relatório final do delegado –, ele poderá oferecer denúncia se achar suficiente o embasamento que consta no inquérito. Mas este não é um fato que ocorre com muita freqüência. Pode ocorrer também que o policial, mesmo tendo relatado o inquérito à justiça e este não tenha mais voltado para a delegacia, não tenha alterado sua “situação” no SCO. Os flagrantes, , podem se encontrar na situação de “enviado a justiça”.

Quais fatores interferem nas estatísticas da violência?VI

Quando faz-se necessário mudar a titulação durante o Inquérito, p. ex., de “tentativa de homicídio’ para “homicídio doloso consumado”, há que ser feito um REGISTRO DE ADITAMENTO, alterando a classificação inicial. O mesmo podemos falar com relação à “tentativa de latrocínio”, assim registrado inicialmente, mas que a vítima culmina por falecer, a posteriori, numa unidade hospitalar. Porém, algumas vezes, policiais não fazem o Registro de Aditamento, tendo como conseqüência a invisibilidade do homicídio decorrente de uma “tentativa”.

O Registro de Aditamento fica armazenado no sistema das Delegacias Legais, de modo que seja possível acompanhar as mudanças de classificação no decorrer da investigação, e também com intuito de que não haja a possibilidade de “maquiagem” das estatísticas. Assim, um caso inicialmente tipificado como “tentativa de homicídio” poderá ser depois incluído nas estatísticas como “homicídio”, a partir da alteração na sua tipificação – é possível conferir isso através do sistema.

A partir da Resolução nº 760/2005, da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Corregedoria da Polícia Civil ficou responsável pela revisão dos Registros de Ocorrência, principalmente no que diz respeito à verificação da correspondência entre a “dinâmica do fato” e a “tipificação do delito”. Assim, as alterações classificatórias são feitas no decorrer das investigações; porém, algumas vezes tais correções não são realizada e a atividade da Corregedoria é identificar tais erros e determinar as devidas correções desses títulos.

O “auto de resistência” é um documento policial que foi criado no período da ditadura com a finalidade de registrar eventuais momentos de resistência armada no decorrer das operações policiais. De forma hodierna, no Estado do Rio de janeiro, os “autos de resistência” são utilizados para registrar todas as ocorrências de morte, sejam elas fruto ou não de uma indubitável situação de resistência a prisão.

Desta forma a polícia fluminense vem manipulando o registro de informação das ocorrências em todas as operações em que acontecem mortes. E, obviamente, essas mortes serão contabilizadas como “auto de resistência” e não como “homicídio”. As condições em que tais mortes ocorrem são descaracterizadas, mercê de desfazimentos dolosos de Locais de Crimes, e isso ocorre sempre no sentido de incriminar a vítima. Tamanha manipulação acontece quando as mortes não ocorrem em situação de conflito, e contradizem as regras da própria corporação policial – quando a vítima não esta armada, ou é morta pelas costas, por exemplo.

Portanto, a manipulação do “auto de resistência” acontece para disfarçar a ilegalidade das incursões policiais nas comunidades carentes do Rio de Janeiro. Quanto aos citados desfazimentos de Locais de Crimes, vemos que eles ocorrem quando a vítima encontra-se irremediavelmente morta, como, p. ex., a imprensa freqüentemente noticia nos casos de embates entre forças policiais e bandidos, como, por exemplo, os que ocorrem nas favelas.

É comuníssimo policiais retirarem corpos de bandidos com a pretensa desculpa de se lhes “prestar socorro”, ou mesmo em situações onde, injustificadamente, “julgam” arriscada a ida de peritos criminais àquelas áreas conflagradas. Vemos, de hábito, que praticamente todos os bandidos baleados, e dessa forma “socorridos” por policiais, chegam invariavelmente mortos aos hospitais – isso é quase que uma regra...

Essa prática é antiga, pois basta lembrarmo-nos que, no ano de 1962, o temido bandido JOSÉ DA ROSA MIRANDA, vulgo “Mineirinho”, então considerado, à época, o “inimigo número um da Polícia”. Perscrutando a tese de resistência, é preponderante que se proceda ao Exame de Corpo de Delito – Perícia de Local de Crime, com o escopo de buscar a verdade dos fatos como, p. ex., se realmente tratou-se de morte levada à consecução com base no estrito cumprimento do dever legal, por parte dos Agentes do Estado, robustecendo, por conseguinte, conceitualmente o ideário da resistência por parte do criminoso, ou mesmo se tratou-se de excessos ou até execução.

Quais fatores interferem nas estatísticas da violência?VIII

Tais desfazimentos ocorrem, como já afirmamos, com o claro e irrefutável intuito de evitar-se a Perícia de Local de Crime; não há outra explicação plausível, pois dizer-se que os locais são “desfeitos” para a humanitária “prestação de socorro” ou mesmo porque os locais são inóspitos, inseguros e arriscados aos peritos criminais é pura tergiversação. Claro está que, para prestação de socorro emergencial, voltamos a afirmar que somente o GSE/CBMERJ está tecnicamente habilitado para tal mister e há que ser utilizado para tal, sempre.

E mais, devemos partir da premissa que o socorro prestado, quando ainda há vida, sem ser pelo GSE/CBMERJ, além de errado, também jamais se aplicaria a casos de múltiplas lesões por projéteis de arma de fogo com elevado poder de letalidade (projéteis de alta energia cinética), em áreas corporais nobres e fatais, como nos casos em que, por exemplo, ferimentos na cabeça propiciam importante perda de tecidos ósseo e encefálico (?!).

Analisados os fatores atinentes a peritos legistas e a delegacias policiais, necessário se faz frisar que o INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA (ISP), nos levantamentos estatísticos, trabalha com a consolidação dos dados fornecidos somente pelas delegacias legais, posto que aquelas que ainda não fazem parte desse projeto deixam de informar (?!).

Quais fatores interferem nas estatísticas da violência? - FINAL

Logicamente a fonte mais confiável seria o IMLAP, desde que ocorresse uma reciclagem para os peritos legistas, no sentido de aprenderem o correto preenchimento da DO, havendo, paralelamente, a constituição de uma comissão para rever todas as DO, corrigir as erronias e por fim consolidar os dados a serem enviados ao ISP.

Posteriormente, ainda teríamos as revisões feitas pelas Vigilâncias Epidemiológicas das Prefeituras, pela Secretaria de Estado de Saúde e pelo Ministério da Saúde, e também de todos os municípios e demais Unidades Federativas. Obviamente, ter-se-ia todo o sistema informatizado, bem como tornar-se-ia improvável qualquer manipulação dos dados estatísticos.

O que não deve e não pode continuar é o levantamento estatístico falso que tem sido instrumento político-partidário dos governos estaduais que se sucedem, fruto de manipulações cujos os dados produzidos foram sempre usados para alavancar candidaturas a cargos públicos eletivos.

Por fim, todos os dados deveriam ficar acessíveis, de forma absolutamente transparente na Internet, permitindo assim a pronta consulta por parte dos órgãos de imprensa, por demais entidades públicas, pesquisadores etc. A segurança é dever do estado ao tempo que é anseio e necessidade da sociedade.

Dr. Leví Inimá de Miranda – CEL MED REF (EB)
Perito Legista aposentado da Polícia Civil do RJ
http://www.uniblog.com.br/?uni=YzJWallXOGxNMFJqYjIxbGJuUmhjbWx2Y3lVeU5uQWxNMFF5T0RnMk56ZE9SVXB6VFVWalBRPT1NMFJvYjIxPT0=

sábado, 3 de abril de 2010

Júri do casal Nardonis é Nulo.


No dia 28/03, às 19h30, durante o programa Domingo Espetacular da TV Record, menos de 2 dias após a proclamação da condenação de Alexandre Nardoni e Ana Jatobá, jurada participante do Conselho de Sentença concedeu entrevista em que, entre outros pontos, declarou seu voto, mais que isso manifestou seu conhecimento de que todos os jurados desejavam votar pela condenação e ainda que a razão fundamental de sua decisão foi ter uma sobrinha em idade próxima a da vítima.

A Constituição Federal proclama de forma bastante clara como garantia fundamental o sigilo das votações do júri, o que implica na incomunicabilidade dos jurados durante a sessão de julgamento e na não declaração do voto pelos jurados.

Visando garantir a totalidade do sigilo das votações é que o Código de Processo Penal estabelece que após colhidos 4 votos, de 7 possíveis, em favor de qualquer das partes, cessa a votação. A regra é orientada para a preservação do estabelecido na CF quanto ao sigilo das votações, para que se tenha plena convicção da imparcialidade do julgamento.

No caso concreto, a declaração de voto em rede nacional de televisão representa trágico desfecho para um caso em que a ação dos meios de comunicação de massa a olhos vistos desde o princípio contaminou a imparcialidade dos jurados.

Júri do casal Nardonis é Nulo. II

Não se pode cogitar de imparcialidade de julgamento em que enquanto os jurados votavam as pessoas, centenas, na porta do fórum, gritavam o nome da vítima e palavras de ordem em prol da condenação. Não há possibilidade de cogitar da imparcialidade de julgamento em que não foi adotada a cautela de impedir o acesso de populares às proximidades do fórum, em caso de extremada repercussão, situação que possibilitou um dos mais vergonhosos espetáculos vistos, as agressões físicas contra o Advogado dos acusados, profissional no exercício de sua legítima atividade, com status constitucional de imprescindível para a administração da Justiça.

As manifestações públicas em frente ao fórum chegaram continuamente aos ouvidos dos jurados, contaminando de forma evidente o veredicto, eis que não se teve a cautela de isolar a área, conforme o sensacionalismo que cercava o caso exigia. De forma complementar, no aspecto da imparcialidade, é de se observar que questionamentos dos jurados, durante os depoimentos, foram encaminhados por escrito ao Magistrado, que selecionava os que formulava.

É esperado que os não formulados fossem manifestações de pré-julgamento por quem os elaborou, por tal razão a lei não fixa que deve se utilizar dito procedimento, mas apenas que o jurado deve formular sua pergunta por intermédio do juiz, ou seja, pergunta em alto e bom som ao Magistrado para que este repergunte, para que haja controle pelas partes da imparcialidade do conselho de jurados.

Não cabe questionar se os réus são culpados ou inocentes, mas afirmar que se teve rara oportunidade de transmitir mensagem social de respeito democrático e ao Estado de Direito, porém se realizou julgamento sob pressão da opinião pública, em agressão aos mais importantes elementos estruturais do júri.

Não se argumente que a declaração da jurada foi posterior ao julgamento, eis que a legislação brasileira impõe a impossibilidade de qualquer declaração de voto, pois até o juiz é impedido de revelar mais que os votos necessários para chegar ao veredicto (4), sendo o sigilo de caráter absoluto. Não pode o jurado em momento algum revelar o seu voto, em especial fazê-lo pela mídia, manifestando conhecimento do voto pela condenação de todos os jurados.

A propósito, convém destacar que desde que lancei a arguição de nulidade do julgamento em questão, por violação da imparcialidade dos jurados, momentos após a acima mencionada divulgação da entrevista da jurada, várias manifestações surgiram em todo território nacional, muitas de importantes juristas nacionais, aderindo à minha inicial posição, enquanto as críticas têm se centrado justamente no aspecto de que a manifestação de voto da jurada foi posterior à proclamação do resultado, o que com a devida vênia dos que tem manifestado este pensamento, mas é absolutamente açodado e distante da cognição sobre os aspectos essenciais em que se estrutura o Tribunal do Júri.

Júri do casal Nardonis é Nulo. III

A estruturação moderna do Júri se deu na Inglaterra, após a Revolução Gloriosa, com a função de conferir concretude à idéia de imparcialidade, agregando, para o atingimento deste objetivo, uma série de predicados, como o julgamento por jurados não ligados funcionalmente ao Estado, bem como o sigilo das deliberações dos jurados, entre outros pontos tendentes a manter os julgadores longe de influências que poderiam conduzir à deliberação com base em aspectos que não as provas do processo.

Sob o influxo das idéias iluministas é que o júri se expandiu para os diferentes países, tão logo estes proclamaram o modelo republicano. No Brasil, como garantia estrutural do júri, no intuito da preservação da imparcialidade, sempre se fez presente o sigilo das votações. Observe-se que o sigilo é DAS votações e não NAS votações, justamente porque não fica adstrito ao momento da colheita do voto, mas tem caráter absoluto.

A quebra posterior do sigilo por jurado, em especial em entrevista pela televisão, como ocorrido no caso específico em comento, é fato extremamente grave, passível de discussão inclusive sob o ponto de vista da ética da imprensa.
Ocorre que diferente do que precipitadamente se poderia imaginar, o sigilo das votações não serve tão somente a proteger ao jurado, individualmente considerado quando manifesta a sua opinião sobre o caso concreto, mas protege a todo o Conselho de Sentença e à própria instituição do júri.

Observe-se que a quebra do sigilo por um jurado profana o silêncio de todos os demais e, no campo dos exemplos, conduzindo ao extremo, pode colocar em risco real os integrantes do júri. Imagine-se que um acusado de crime contra a vida, ligado à perigosa organização criminosa, que tenha ameaçado matar quem lhe seja contrário, é condenado por maioria de 4 votos a 3 votos e os 3 que votaram pela absolvição, após o julgamento concluído, declarem os seus votos. Neste exemplo, imediatamente estará colocando-se uma arma apontada para a cabeça dos 4 jurados que votaram pela condenação.

O sigilo nas votações, ademais, protege à própria instituição do júri, impedindo, por exemplo, que um jurado passe a ter interesse na causa para obtenção de eventual promoção pessoal posterior pela aparição em veículos de comunicação de massa. Lembre-se do rumoroso caso O.G. Simpson nos Estados Unidos, em que o jurado foi afastado porque se constatou que havia, antes do júri, negociado, mediante paga, publicações posteriores à proclamação do resultado, com veículos de comunicação.

Júri do casal Nardonis é Nulo. FINAL

Efetivamente, permitir a quebra do sigilo após as votações é como "dar um cheque em branco" para que seja possível permear os julgamentos mais rumorosos de interesses econômicos de meios de comunicação de massa, que podem, como o exemplo acima demonstra, já ocorrido, "financiar" o jurado, para depois obter detalhes do julgamento.

Este "financiamento" seguramente representa uma abertura para o acesso de qualquer pessoa ao jurado com o intuito de manipulá-lo e com isso romper o caráter de imparcialidade da instituição do júri e controlar se o investimento foi bem feito pela exigência de declarações públicas posteriores de voto para controlar se efetivamente a pessoa votou conforme havia se comprometido.

Deixada de lado toda e qualquer hipocrisia que poderia incidir sobre o debate da questão, sem lançar qualquer acusação precipitada, situando a temática apenas no campo teórico e da dúvida, mas não se tem qualquer segurança que a entrevista tratada no presente texto decorreu de simples manifestação de opinião por participante de um rumoroso júri, ou se houve na mesma interesse reflexo na declaração por quem a realizou, até mesmo interesse este de natureza econômica .

Mais que isso, a jurada ao declarar na entrevista em comento que previamente sabia que todos os jurados votariam pela condenação revela indisfarçável indício de que houve quebra da incomunicabilidade dos jurados, outro dos elementos estruturais centrais do Tribunal do Júri brasileiro.

Somente anulando o julgamento, com todos os ônus advindos, e realizando-o novamente, desta feita com garantia de imparcialidade, constrói-se, a partir da terrível brutalidade contra Isabela, não um cenário de vingança, nos moldes do praticado na Idade Média, mas manifestação de respeito à sua memória, com a edificação de algo positivo para a sociedade brasileira, a inatacabilidade das bases em que se funda o Estado Democrático de Direito.

Não se pode aceitar que a condenação de dois acusados, desejada por grande parte da opinião pública, como clara manifestação da comum confusão social do sentimento de justiça com o de vingança, seja maior que as bases estruturantes do Estado Republicano e Democrático brasileiro, admitindo-se sua vulneração para satisfazer a posição que a grande mídia firmou sobre os fatos em julgamento, mesmo antes que o júri tivesse iniciado.

Nessa ótica, a anulação do julgamento Nardoni se impõe como sonora mensagem social de que o Estado Democrático de Direito é o bem mais precioso que o cidadão brasileiro possui e, portanto, inatacável.


http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14632
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Vejam ainda a entrevista completa da jurada.
O Domingo Espetacular encontrou uma das quatro mulheres que estavam no grupo de sete jurados que condenaram Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá. Ela conta que achou Alexandre frio e Anna Jatobá inconstante e desequilibrada.
http://noticias.r7.com/videos/assista-entrevista-exclusiva-com-jurada-do-caso-nardoni/idmedia/055a6b07dc331cb6ada50e655cff3567.html