terça-feira, 6 de abril de 2010

Roberto Podval. O advogado do diabo…




A primeira pergunta para o criminalista Roberto Podval é tão inevitável quanto é certo que a resposta não vai ser conclusiva: “Quanto o senhor ganha para defender o casal Nardoni?” O advogado esquiva-se, diz que o valor é muito menor do que se imagina e que seria uma deselegância com seus próprios clientes revelar o valor da contratação.

A segunda é quase uma reformulação da primeira: “O senhor pegou o caso então por conta da exposição?” A resposta desta vez vem em forma de perguntas. “Qual a vantagem de aparecer por um caso que você já sabe que vai perder? Ainda mais em uma circunstância em que qualquer erro pode causar danos à sua imagem profissional?”

Podval usa um exemplo da profissão de repórter para explicar o que o levou a defender um pai e uma madrasta acusados de esganar uma menina de 5 anos e depois jogá-la pela janela. Ele lembra que os correspondentes de guerra vão ao front apesar dos riscos inerentes à situação e não tomam a decisão por serem os jornalistas de maior salário de uma redação. “Para ser um grande advogado é preciso estar nos grandes casos.”

Sem imaginar que seria agredido a socos e chutes na porta do Fórum, em um dos dias do julgamento de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, o advogado garante que a decisão de aceitar defendê-los não foi fácil. Diz ter demorado um ano para aceitar a proposta de assumir a defesa do casal. Sua decisão contrariou a vontade de seus familiares e amigos, que o preferiam longe do caso.

Tomada a decisão, recebeu centenas de mensagens por correio eletrônico e telefonemas. Representantes de seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o parabenizavam pela coragem de assumir o caso, integrantes de diversos grupos religiosos o procuraram e mensagens psicografadas foram oferecidas. Garante que respondeu a todos, inclusive aos que escreviam apenas para xingá-lo.

Em geral, as causas dos advogados criminalistas não são populares, pois na maioria dos casos o papel que lhes cabe é o de defender o acusado de um crime. Podval construiu uma carreira na defesa de réus em crimes financeiros e de corrupção. O ex-secretário de Comunicação do PT Marcelo Sereno, o ex-senador Luiz Estevão e Kia Joorabchian, representante do fundo MSI, que teve parceria com o Corinthians, estão entre seus clientes.

Em casos de crime de sangue, atuou em dois de grande destaque: defendeu o médico Farah Jorge Farah, que matou e esquartejou uma paciente com quem tivera um caso, e Sérgio Gomes da Silva, acusado de ter participado do assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel. Apesar de ter atuado em casos emblemáticos, Podval garante nunca ter sentido um clamor público tão forte quanto neste caso. “Acredito que o papel dos formadores de opinião e a reação das pessoas durante o julgamento será assunto de uma investigação sociológica daqui a alguns anos.”

O advogado conta que suas duas filhas, de 5 e 9 anos, voltaram um dia da escola interessadas em saber o motivo de ele defender um pai acusado de matar a própria filha. O caso Nardoni foi o 16º júri de sua carreira. Naquela semana, segundo dados do Tribunal de Justiça de São Paulo, foram realizados outros 55 júris na capital paulista.

Além do julgamento dos acusados de matar a garota Isabella, apenas um segundo caso mereceu atenção da mídia, apesar de ter recebido uma cobertura infinitamente menor: o julgamento de três policiais militares e um comerciante acusados de participar do assassinato do jornalista Luiz Carlos Barbon Filho, que havia denunciado um esquema de pedofilia na cidade de Porto Ferreira, no interior do estado, a envolver empresários e políticos locais.

Ainda segundo o tribunal, 70 jornalistas participaram da cobertura do caso Nardoni. Quando se acrescentam técnicos, cinegrafistas, ilustradores (não era permitido fazer fotos dentro da sala de julgamento) e fotógrafos, o número de profissionais de imprensa pula para 250. Como não havia espaço suficiente para todos (a sala do júri tem apenas 77 lugares) e para evitar confusões, uma reunião com o desembargador Carlos Teixeira Leite Filho foi feita dias antes do início do julgamento.

Organizou-se um revezamento para que todos pudessem acompanhar trechos do julgamento. “Não gosto de jogo de palavras, mas preciso dizer neste caso que nosso trabalho foi criar alguma normalidade em uma situação absolutamente anormal”, diz o desembargador, que tem 28 anos de experiência como juiz. Em outro jogo de palavras, ele explica que o tribunal precisava conciliar o interesse público com o interesse do público pelo caso.

Curiosos chegavam de madrugada ao tribunal, na esperança de conseguir senha para acompanhar parte do julgamento. A estimativa do TJ-SP é de que 300 indivíduos passaram pela sala durante o julgamento, além de representantes da OAB-SP, do Ministério Público e familiares de réus e vítimas. A maioria da platéia acumulava-se do lado de fora dos portões, como uma torcida uniformizada nas arquibancadas. Dentro, convidados Vips acompanhavam o julgamento.

Era o caso da autora de telenovelas Glória Perez, que teve a filha Daniella Perez assassinada em 1992, e do professor Luiz Flávio Gomes. Dono da rede de cursos de pós-graduação e preparatórios para concursos públicos e exames da OAB que leva o seu nome, Gomes tentou usar seu Twitter para transmitir o julgamento em tempo real. Advertido pelo juiz, teve de se contentar com saídas da sala a cada hora e o papel de especialista de plantão para diversos órgãos de imprensa.

Segundo comentários na Justiça, a comoção em torno do crime, cometido em março de 2008, dobrou o número dos que se apresentam voluntariamente ao posto de jurados. Nesses dois anos, o Ministério Público recebeu centenas de mensagens que parabenizavam o promotor de Justiça Francisco Cembranelli pela coragem e que diziam acreditar na condenação do casal Nardoni. Da sentença até a terça-feira 30, foram 48 mensagens que expressavam esperança na Justiça após a condenação. O pai pegou 31 anos de cadeia. A madrasta, 26.

Mais do que defender os acusados de matar uma menina de 5 anos, o papel de vilão de Podval havia sido reforçado pela decisão de manter a mãe de Isabella, Ana Carolina de Oliveira, incomunicável durante o julgamento. O motivo da permanência dela em uma sala separada do local onde era realizado o júri foi a possibilidade de a defesa querer uma acareação dela com os acusados.

Em sua defesa, o advogado diz que a própria Ana Carolina se colocou como assistente de acusação e testemunha. “Não poderia abrir mão da possibilidade de fazer a acareação. Eu não estava lá apenas para garantir que houvesse um advogado de defesa para que o julgamento pudesse ocorrer, tinha de defender meus clientes”, afirma. Segundo Podval, a desistência da acareação da mãe de Isabella com o pai e a madrasta da menina foi uma decisão tomada por ele e pelos réus depois de saberem que Ana Carolina havia passado mal.

Se o júri já é cansativo para quem o acompanha, fica ainda mais desgastante para quem está na acusação ou na defesa. Além do que já foi preparado nos últimos dois anos, os depoimentos de cada dia precisam ser analisados para traçar novas estratégias para a continuação do julgamento. Neste momento, o blefe e as jogadas que têm como único objetivo desestabilizar o adversário são métodos comuns. Podval cita dois exemplos do que fez.

Comprou o reagente Blue Star, usado pela perícia nas amostras de sangue, e anunciou que levaria para debater o trabalho da Polícia Técnica com a perita Rosângela Monteiro. Era apenas um blefe. Propôs, no meio do julgamento, a exibição da animação que reconstituía a versão dada por policiais e promotores. Foi uma forma de evitar que Cembranelli usasse as imagens no fim para impressionar os jurados. O promotor também usou seus truques para surpreender a acusação.

O criminalista conta que o seu dia começava às 7 da manhã. Com a tevê ligada, acompanhava o momento em que os réus saíam da cadeia rumo ao tribunal. Chegava ao prédio do julgamento por volta das 9 da manhã e permanecia até as 9 da noite. Terminada a sessão, a equipe de advogados de defesa, formada por seis advogados, reunia-se em sua casa para avaliar o dia e preparar a estratégia do seguinte. Não raro, o trabalho estendia-se até as 4 da manhã.

Cansado pelo excesso de trabalho e sob a pressão do caso em si, aumentada pelo clamor popular, o advogado chorou na sexta-feira 26. “Estava me sentindo impotente. Foi um desabafo.” Horas depois, um sistema de som improvisado por emissoras de rádio transmitia a leitura da sentença do juiz.

O SBT, a Record, a Bandeirantes e a GloboNews transmitiam ao vivo o pronunciamento de Maurício Fossen. A decisão de veicular o áudio da decisão partiu do próprio juiz, mas consta que a hipótese havia sido tratada em reuniões preliminares entre a Comissão de Imprensa do TJ, Fossen e a diretora do Fórum de Santana. Gritos, palmas e fogos de artifício na porta do prédio. Como todos esperavam, o casal havia sido condenado.

Terminada a leitura, a comemoração pela sentença continua em frente ao prédio onde mora a mãe de Isabella, também na zona norte paulistana. Emocionada, Ana Carolina acena da sacada. Alguns ainda batem nos caminhões da Secretaria de Administração Penitenciária que levam o casal Nardoni de volta ao presídio em Tremembé.

Cembranelli dá uma entrevista coletiva em que fala sobre a sua vitória no julgamento. Podval diz que não vai falar, pois a estrela da noite é o promotor, que conseguiu a condenação máxima, e segue para casa. O criminalista conta que não dormiu naquela noite, nem na seguinte. Afirma que só conseguiu descansar após receber um telefonema de Antônio Nardoni, pai de Alexandre, na noite de domingo. “Ele me falou que os réus agradeciam pelo meu empenho. Neste momento, fiquei mais tranquilo.”

Fonte: Carta Capital