Todos sabemos, mais ou menos, das notícias sobre as redes internacionais de pedofilia, tráfico de menores e seus correlatos. Não tenho acompanhado de perto os trabalhos da CPI da Pedofilia aí, mas, freqüentemente, leio notícias nos jornais daqui a respeito de algum novo criminoso descoberto, etc.
Outro dia, li o artigo do Senador Cristóvam Buarque para este blog. Mas a verdade é que não há horas suficientes no dia para viver várias vidas, ler tantas notícias, estar a par de tantos acontecimentos em lugares diferentes. E a verdade é que, até este ponto da minha vida, não havia querido saber muito a respeito da pedofilia, cultivando uma cuidadosa distância do tema.
Mas, esta semana, uma notícia que li terminou por me fazer mergulhar no assunto e procurar saber mais. E, na minha procura, acabei topando com textos chocantes e outros interessantíssimos. Do alto da minha ignorância, pensei que fosse mais difícil encontrar leituras sobre o assunto na internet.
Qual nada! Para minha surpresa, descobri que, aqui na Suécia, tem até uma página que se dedica a discutir o assunto. E que há uma similar na Noruega. Primeiro, pensei tratar-se de uma página clandestina, dessas que tendem a desaparecer quando denunciadas.
Depois, descobri que se trata de uma página dedicada a colocar holofotes sobre a pedofilia, promover um debate amplo e, inclusive, hospedar depoimentos de pedófilos que queiram contar sua experiência pessoal! Além disso, traz artigos científicos sobre o tema, fatos e resultados de pesquisas, além de uma longa lista de referências bibliográficas para os interessados.
Ainda sem entender muito bem, continuei a pesquisa. A página esclarece que não acolhe pornografia infantil nem qualquer tipo de matéria ilegal. Tampouco tem o intuito de incentivar comportamentos criminosos. Dedica-se a discutir a predisposição de algumas pessoas (segundo a página, entre um e cinco por cento da população) que têm sua “orientação sexual dirigida a crianças”.
Só então é que comecei a entender. Ali, a pedofilia é definida como “uma orientação sexual que ainda não goza de aceitação social”. Isso quer dizer que, na moderna Suécia onde a liberdade de expressão individual está acima de outros valores também importantes, há pessoas dispostas a discutir a pedofilia, mais ou menos abertamente, como quem discute homossexualidade: uma orientação sexual que, mais cedo ou mais tarde, sairá da lista de distúrbios mentais catalogados pela Organização Mundial da Saúde.
Por que estou contando tudo isso? Não estou, e nisto vocês podem ter certeza, querendo fazer apologia da pedofilia. Muito pelo contrário. Confesso que fiquei chocada. “Orientação sexual dirigida a crianças” é um pouco suave demais para meu gosto. Mas minhas leituras me levaram a ver a complexidade do problema e as nuanças envolvidas.
Porque, certamente, os pedófilos não escolheram sua “orientação sexual”. E porque, pelo que entendi, é importante separar o problema psíquico do crime. Existem vários tipos de pedófilos. O tipo mais conhecido é o dos criminosos, que abusam sexualmente de crianças, suas próprias ou de outros. O castigo para essa modalidade de crime costuma ser severo, em todos os países do mundo.
Há pedófilos por “via internet”, que procuram e arquivam fotografias e vídeos de crianças ou contendo cenas de abusos sexuais contra menores. Há, ainda, pessoas que, em alguns casos, sem sequer sofrerem o problema psíquico, aproveitam-se da pedofilia para ganhar muito dinheiro com pornografia infantil.
Essas redes de difusão e estímulo ao crime devem ser exterminadas e os culpados, punidos. Mas existem pedófilos que não são criminosos, que jamais cometeram alguns abusos sexuais contra crianças, que jamais passaram da fantasia à ação. O que todos os pedófilos têm em comum?
O terrível medo de serem descobertos, de terem suas predisposições reveladas, de perderem sua rede de amigos, familiares e conhecidos. Quem quer conviver com eles? Quem lhes dá emprego? Qual é a saída para o sentimento de culpa e a vergonha?
A mera suspeita de pedofilia pode acabar com a vida de uma pessoa, muitas vezes em sentido estrito: não é raro que pedófilos que tiveram seu problema divulgado cometam suicídio. Só que um pedófilo, homem ou mulher (sim, há mulheres também), tem pai e mãe, irmãos, ás vezes esposa (ou marido) e filhos, família, amigos e parentes.
O que a gente não pode esquecer é que o pedófilo não escolheu ser pedófilo. E nem todos os pedófilos chegam a agir expressamente contra a lei. Estamos tratando de seres humanos vítimas de um problema, um distúrbio psíquico, uma doença, uma orientação sexual que é um tabu.
Mesmo aqueles que, por criminosos, são punidos com prisão; todos, sem exceção, precisam de tratamento e ajuda. Uns, para jamais passar às vias de fato. Outros, para assumir sua culpa, liberar suas pequenas vítimas da culpa que também carregam, e não continuar a fazer novas vítimas.
Leitora do blog, Sandra Paulsen, casada, mãe de dois filhos, é baiana de Itabuna. Fez mestrado em Economia na UnB. Morou em Santiago do Chile nos anos 90. Vive a quase uma década em Estocolmo, onde concluiu doutorado em Economia Ambiental.
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/
Outro dia, li o artigo do Senador Cristóvam Buarque para este blog. Mas a verdade é que não há horas suficientes no dia para viver várias vidas, ler tantas notícias, estar a par de tantos acontecimentos em lugares diferentes. E a verdade é que, até este ponto da minha vida, não havia querido saber muito a respeito da pedofilia, cultivando uma cuidadosa distância do tema.
Mas, esta semana, uma notícia que li terminou por me fazer mergulhar no assunto e procurar saber mais. E, na minha procura, acabei topando com textos chocantes e outros interessantíssimos. Do alto da minha ignorância, pensei que fosse mais difícil encontrar leituras sobre o assunto na internet.
Qual nada! Para minha surpresa, descobri que, aqui na Suécia, tem até uma página que se dedica a discutir o assunto. E que há uma similar na Noruega. Primeiro, pensei tratar-se de uma página clandestina, dessas que tendem a desaparecer quando denunciadas.
Depois, descobri que se trata de uma página dedicada a colocar holofotes sobre a pedofilia, promover um debate amplo e, inclusive, hospedar depoimentos de pedófilos que queiram contar sua experiência pessoal! Além disso, traz artigos científicos sobre o tema, fatos e resultados de pesquisas, além de uma longa lista de referências bibliográficas para os interessados.
Ainda sem entender muito bem, continuei a pesquisa. A página esclarece que não acolhe pornografia infantil nem qualquer tipo de matéria ilegal. Tampouco tem o intuito de incentivar comportamentos criminosos. Dedica-se a discutir a predisposição de algumas pessoas (segundo a página, entre um e cinco por cento da população) que têm sua “orientação sexual dirigida a crianças”.
Só então é que comecei a entender. Ali, a pedofilia é definida como “uma orientação sexual que ainda não goza de aceitação social”. Isso quer dizer que, na moderna Suécia onde a liberdade de expressão individual está acima de outros valores também importantes, há pessoas dispostas a discutir a pedofilia, mais ou menos abertamente, como quem discute homossexualidade: uma orientação sexual que, mais cedo ou mais tarde, sairá da lista de distúrbios mentais catalogados pela Organização Mundial da Saúde.
Por que estou contando tudo isso? Não estou, e nisto vocês podem ter certeza, querendo fazer apologia da pedofilia. Muito pelo contrário. Confesso que fiquei chocada. “Orientação sexual dirigida a crianças” é um pouco suave demais para meu gosto. Mas minhas leituras me levaram a ver a complexidade do problema e as nuanças envolvidas.
Porque, certamente, os pedófilos não escolheram sua “orientação sexual”. E porque, pelo que entendi, é importante separar o problema psíquico do crime. Existem vários tipos de pedófilos. O tipo mais conhecido é o dos criminosos, que abusam sexualmente de crianças, suas próprias ou de outros. O castigo para essa modalidade de crime costuma ser severo, em todos os países do mundo.
Há pedófilos por “via internet”, que procuram e arquivam fotografias e vídeos de crianças ou contendo cenas de abusos sexuais contra menores. Há, ainda, pessoas que, em alguns casos, sem sequer sofrerem o problema psíquico, aproveitam-se da pedofilia para ganhar muito dinheiro com pornografia infantil.
Essas redes de difusão e estímulo ao crime devem ser exterminadas e os culpados, punidos. Mas existem pedófilos que não são criminosos, que jamais cometeram alguns abusos sexuais contra crianças, que jamais passaram da fantasia à ação. O que todos os pedófilos têm em comum?
O terrível medo de serem descobertos, de terem suas predisposições reveladas, de perderem sua rede de amigos, familiares e conhecidos. Quem quer conviver com eles? Quem lhes dá emprego? Qual é a saída para o sentimento de culpa e a vergonha?
A mera suspeita de pedofilia pode acabar com a vida de uma pessoa, muitas vezes em sentido estrito: não é raro que pedófilos que tiveram seu problema divulgado cometam suicídio. Só que um pedófilo, homem ou mulher (sim, há mulheres também), tem pai e mãe, irmãos, ás vezes esposa (ou marido) e filhos, família, amigos e parentes.
O que a gente não pode esquecer é que o pedófilo não escolheu ser pedófilo. E nem todos os pedófilos chegam a agir expressamente contra a lei. Estamos tratando de seres humanos vítimas de um problema, um distúrbio psíquico, uma doença, uma orientação sexual que é um tabu.
Mesmo aqueles que, por criminosos, são punidos com prisão; todos, sem exceção, precisam de tratamento e ajuda. Uns, para jamais passar às vias de fato. Outros, para assumir sua culpa, liberar suas pequenas vítimas da culpa que também carregam, e não continuar a fazer novas vítimas.
Leitora do blog, Sandra Paulsen, casada, mãe de dois filhos, é baiana de Itabuna. Fez mestrado em Economia na UnB. Morou em Santiago do Chile nos anos 90. Vive a quase uma década em Estocolmo, onde concluiu doutorado em Economia Ambiental.
http://oglobo.globo.com/pais/noblat/