sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A reconstituição do crime no processo penal brasileiro -IV

Fatos já históricos na literatura processual penal ilustram bem tal aspecto durante os interrogatórios policiais, coroando o privilégio da não auto-incriminação como princípio constitucional limitador das atividades investigativas do Estado. Veja o caso Miranda vs. Arizona julgado em 1966 na Suprema Corte Americana da lavra de Earl Warren, então presidente daquela corte:

"Esta corte há notado recientemente que el privilegio en contra de la autoincriminación (...) se funda num em um complejo de valores y todos estos valores apuntan a uma reflexión dominante: el fundamiento constitucional que subyace al privilegio es el respeto que el gobierno debe observar a la dignidad e integridad de sus cidadanos. Para mantener um ' justo equilíbrio Estado-individuo', para exigir del gobierno 'suportar toda la carga', para respetar 'la inviolabiladad de la personalidad humana' nuestro sistema acusatorio de justicia criminal exige que el Gobierno que pretende penar a um individuo produzca la prueba em sua contra por sus propios e independientes medios, em lugar de hacerlo a través del cruel y simple recurso de forzar dicha prueba desde la propia boca del imputado".

Intuitivo que durante tal reconstituição o acusado poderá ser induzido a fazer declarações ou assumir comportamentos não compreendidos na conduta que ensejou instauração do inquérito. Por desconhecimento de seus direitos constitucionais o investigado concorda em participar de tais encenações, sem ao menos se dar conta das futuras implicações de sua conduta.

O que o caso Miranda vs Arizona veio demonstrar é que a dignidade e integridade dos cidadãos constituem uma barreira intransponível às atividades investigatórias. O ônus probatório deve recair sobre as autoridades governamentais utilizando-se de seus próprios meios, e não através "da própria boca do acusado".

Afiguram-se ilícitos meios probatórios que violentem a personalidade e a dignidade humana, e outro dispositivo constitucional rechaça a admissibilidade de tais provas assim coligidas no seio do processo. Ademais resta consignado no art. 8, letra "g" do Pacto de San Jose de Costa Rica, no capítulo destinado às garantias judiciais, que toda pessoa acusada de um delito tem "direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem se declarar culpada".

Como sabemos este pacto foi positivado e incorporado no direito brasileiro pelo decreto
678 de 06.11. 1992 que determinou seu integral cumprimento. Por se tratar de garantia individual contra ingerências do Estado na esfera de autonomia do cidadão, por força do parágrafo segundo do art. da Magna Carta, incorporou-se às demais garantia processual elencadas naquele artigo. Tem status constitucional inegável. Ainda assim, para alguns doutrinadores, o indiciado poderá ser forçado a comparecer, mas não a participar .