Luiz Flávio Gomes
Depois de dois anos de comoção nacional e grande expectativa, no próximo dia 22 de março, finalmente, será realizado o julgamento dos Nardoni, casal acusado de assassinar a menina Isabella. Contra eles existem provas apenas indiciárias, ou seja, existem indícios de que teriam sido os autores da morte da criança. Sustenta a acusação que após uma discussão Anna Carolina Jatobá teria tentado esganá-la; em seguida ela teria sido jogada, por Alexandre Nardoni, do 6º andar do prédio onde moravam.
O casal Nardoni será absolvido ou condenado? Fui juiz de direito do Tribunal do Júri em São Paulo por cinco anos seguidos. Posso afiançar que vi de tudo nos mais de 300 julgamentos que presidi. As surpresas no plenário do júri são mais ou menos frequentes, mesmo porque a decisão final compete a sete jurados leigos, escolhidos a partir de uma lista de 25.
Casos que pareciam fáceis para a acusação, no final, terminavam com absolvição e vice-versa. Sobretudo quando estamos diante de provas apenas indiciárias, em tese, não há como afastar a possibilidade de todo tipo de veredito final (absolutório ou condenatório).
De um modo geral, um dos fatores decisivos no plenário do júri consiste na habilidade comunicacional (oratória) do acusador e do defensor, que deve transmitir muita confiança e segurança aos jurados, com base nas provas apresentadas. O mais convincente (portanto, o que mais tranquiliza o espírito dos jurados) costuma vencer o debate. Fundamental para o acusador é não só provar o alegado como também não deixar nenhuma dúvida pairar sobre a cabeça dos jurados. Não podemos esquecer que a dúvida favorece o réu (in dubio pro reo).
A maior dificuldade, portanto, recai sobre os ombros do combativo e eficiente promotor Francisco Cembranelli, visto que a defesa, a ser sustentada pelo não menos competente e hábil advogado Roberto Podval, tanto pode adotar a tática da aguerrida absolvição, como pode se amparar no estado de dúvida. Recorde-se que o casal nunca confessou o delito e não houve testemunha ocular.
Um dos pontos cruciais do embate, com certeza, reside na alegação da defesa de que uma terceira pessoa teria entrado no apartamento momentos antes do assassinato. Isso tem que ficar muito bem esclarecido, sob pena de grave prejuízo para os réus. Os jurados, de qualquer modo, morrem de medo de condenar um inocente. Deixar um culpado livre e na impunidade é muito menos traumático para eles que condenar um inocente, mandando-o para o cárcere. Essa é uma vantagem com que conta, teoricamente, a defesa.
Os acusados serão julgados por dois crimes: homicídio triplamente qualificado (meio cruel, impossibilidade de defesa da vítima e pretensão de garantir a impunidade de outro delito anteriormente praticado) e fraude processual (limpar a cena do crime antes da chegada da polícia). A defesa impetrou habeas corpus junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) para afastar este último delito, mas o ministro Joaquim Barbosa não lhe concedeu liminar.
Se forem condenados é bem provável que o juiz, além de tendencialmente poder impor uma dura pena (que vai de 12 a 30 anos), deve mantê-los presos e isso vai gerar muita confusão jurídica, porque são presumidos inocentes até o trânsito em julgado final da sentença. Mas se o juiz, em caso de condenação, liberá-los, isso dará ensejo a uma grande perplexidade na população.
Constitucionalmente toda atividade judicial está programada (no nosso Estado de Direito) para ser objetiva e independente. Mesmo quando se trata de um julgamento popular, como é o caso do casal Nardoni, que será submetido ao veredicto de sete jurados leigos, espera-se a máxima isenção possível, sobretudo frente à opinião pública, que muitas vezes é induzida pela mídia, e à opinião popular.
Não existe “produto” midiático mais rentável que a dramatização da dor humana gerada por uma eliminação perversa e devidamente explorada, de forma a catalisar a aflição das pessoas e suas iras. Isso ganha uma rápida solidariedade popular, todos passando a fazer um discurso único: mais leis, mais prisões, mais castigos para os sádicos que destroem a vida de inocentes e indefesos. O “clima midiático”, muitas vezes, interfere nos julgamentos.
Apesar da existência de várias garantias (vinculadas com a independência interna e externa dos juízes), é certo, como afirmam os sociólogos, que nenhuma decisão judicial é totalmente “objetiva” e “independente”. Aliás, recentemente, num caso rumoroso que envolvia vários integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital), os jurados não se sentiram confortados e seguros e acabaram absolvendo todos os réus. Os processos reais revelam que a atividade judicial (o ato de julgar) é extremamente complexa e delicada, sobretudo nas sociedades democráticas atuais, que são sociedades de opinião pública.
Em todos os “casos midiáticos” (caso Nardoni, por exemplo) é praticamente impossível a inexistência de “juízos paralelos”. Ora em favor do réu, ora em favor da vítima. Pretendo estar presente, como professor observador, em todo o julgamento, que vai durar dois ou três dias, provavelmente, e ficarei atento a todas as suas circunstâncias. Apesar de inevitável a influência midiática “não regulamentada” na atividade judicial, espera-se um julgamento justo, de acordo com a verdade e com a justiça.
http://ultimainstancia.uol.com.br/colunas_ver.php?idConteudo=63653
Depois de dois anos de comoção nacional e grande expectativa, no próximo dia 22 de março, finalmente, será realizado o julgamento dos Nardoni, casal acusado de assassinar a menina Isabella. Contra eles existem provas apenas indiciárias, ou seja, existem indícios de que teriam sido os autores da morte da criança. Sustenta a acusação que após uma discussão Anna Carolina Jatobá teria tentado esganá-la; em seguida ela teria sido jogada, por Alexandre Nardoni, do 6º andar do prédio onde moravam.
O casal Nardoni será absolvido ou condenado? Fui juiz de direito do Tribunal do Júri em São Paulo por cinco anos seguidos. Posso afiançar que vi de tudo nos mais de 300 julgamentos que presidi. As surpresas no plenário do júri são mais ou menos frequentes, mesmo porque a decisão final compete a sete jurados leigos, escolhidos a partir de uma lista de 25.
Casos que pareciam fáceis para a acusação, no final, terminavam com absolvição e vice-versa. Sobretudo quando estamos diante de provas apenas indiciárias, em tese, não há como afastar a possibilidade de todo tipo de veredito final (absolutório ou condenatório).
De um modo geral, um dos fatores decisivos no plenário do júri consiste na habilidade comunicacional (oratória) do acusador e do defensor, que deve transmitir muita confiança e segurança aos jurados, com base nas provas apresentadas. O mais convincente (portanto, o que mais tranquiliza o espírito dos jurados) costuma vencer o debate. Fundamental para o acusador é não só provar o alegado como também não deixar nenhuma dúvida pairar sobre a cabeça dos jurados. Não podemos esquecer que a dúvida favorece o réu (in dubio pro reo).
A maior dificuldade, portanto, recai sobre os ombros do combativo e eficiente promotor Francisco Cembranelli, visto que a defesa, a ser sustentada pelo não menos competente e hábil advogado Roberto Podval, tanto pode adotar a tática da aguerrida absolvição, como pode se amparar no estado de dúvida. Recorde-se que o casal nunca confessou o delito e não houve testemunha ocular.
Um dos pontos cruciais do embate, com certeza, reside na alegação da defesa de que uma terceira pessoa teria entrado no apartamento momentos antes do assassinato. Isso tem que ficar muito bem esclarecido, sob pena de grave prejuízo para os réus. Os jurados, de qualquer modo, morrem de medo de condenar um inocente. Deixar um culpado livre e na impunidade é muito menos traumático para eles que condenar um inocente, mandando-o para o cárcere. Essa é uma vantagem com que conta, teoricamente, a defesa.
Os acusados serão julgados por dois crimes: homicídio triplamente qualificado (meio cruel, impossibilidade de defesa da vítima e pretensão de garantir a impunidade de outro delito anteriormente praticado) e fraude processual (limpar a cena do crime antes da chegada da polícia). A defesa impetrou habeas corpus junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) para afastar este último delito, mas o ministro Joaquim Barbosa não lhe concedeu liminar.
Se forem condenados é bem provável que o juiz, além de tendencialmente poder impor uma dura pena (que vai de 12 a 30 anos), deve mantê-los presos e isso vai gerar muita confusão jurídica, porque são presumidos inocentes até o trânsito em julgado final da sentença. Mas se o juiz, em caso de condenação, liberá-los, isso dará ensejo a uma grande perplexidade na população.
Constitucionalmente toda atividade judicial está programada (no nosso Estado de Direito) para ser objetiva e independente. Mesmo quando se trata de um julgamento popular, como é o caso do casal Nardoni, que será submetido ao veredicto de sete jurados leigos, espera-se a máxima isenção possível, sobretudo frente à opinião pública, que muitas vezes é induzida pela mídia, e à opinião popular.
Não existe “produto” midiático mais rentável que a dramatização da dor humana gerada por uma eliminação perversa e devidamente explorada, de forma a catalisar a aflição das pessoas e suas iras. Isso ganha uma rápida solidariedade popular, todos passando a fazer um discurso único: mais leis, mais prisões, mais castigos para os sádicos que destroem a vida de inocentes e indefesos. O “clima midiático”, muitas vezes, interfere nos julgamentos.
Apesar da existência de várias garantias (vinculadas com a independência interna e externa dos juízes), é certo, como afirmam os sociólogos, que nenhuma decisão judicial é totalmente “objetiva” e “independente”. Aliás, recentemente, num caso rumoroso que envolvia vários integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital), os jurados não se sentiram confortados e seguros e acabaram absolvendo todos os réus. Os processos reais revelam que a atividade judicial (o ato de julgar) é extremamente complexa e delicada, sobretudo nas sociedades democráticas atuais, que são sociedades de opinião pública.
Em todos os “casos midiáticos” (caso Nardoni, por exemplo) é praticamente impossível a inexistência de “juízos paralelos”. Ora em favor do réu, ora em favor da vítima. Pretendo estar presente, como professor observador, em todo o julgamento, que vai durar dois ou três dias, provavelmente, e ficarei atento a todas as suas circunstâncias. Apesar de inevitável a influência midiática “não regulamentada” na atividade judicial, espera-se um julgamento justo, de acordo com a verdade e com a justiça.
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