domingo, 7 de março de 2010

Distorções do noticiário policial sem juízo crítico





Procuradora Regional da República Ana Lúcia Amaral

De uns dez anos, mais ou menos, para cá, quando personagens "VIPs", quer do meio político ou de certos segmentos da economia, começaram a freqüentar as páginas policiais, a imprensa apropriou-se do discurso costumeiro dos advogados de defesa de tais personagens: violação do princípio da presunção de inocência; condenação sem processo; violação da imagem, da intimidade, etc., etc.. Mas nem tudo é como parece ser.

Foi quando se desenvolveu uma outra "mania": o promotor de justiça (na esfera estadual), o procurador da República (na esfera federal) denuncia para os 15 minutos da fama...

Esses discursos e manias voltaram às manchetes, sem se tratar de “VIPs”, na tragédia que vitimou a pequena Isabella, pois incorporados pelos “politicamente corretos” quer da imprensa, quer do meio judiciário, até por quem nada conhece do assunto. Esses discursos e manias estão ao lado de uma outra mania tipicamente nacional: esquecer-se da vítima, protegendo sua excelência o (a) autor (a) do delito.

Nesses episódios, nos quais os profissionais da imprensa não podem ser os protagonistas, não podem trazer sua versão dos fatos, pois muito depende da compreensão de aspectos técnicos legais, que refogem do conhecimento da maior parte desses profissionais, parece que só lhes resta ouvir o que diz o delegado de polícia – figura que no imaginário social está associada ao deslinde de crimes – quando, então, começa a desinformação.

Logo é brandido o caso “Escola Base”. Efetivamente, foi episódio dos mais lamentáveis, mas produzido pelo desconhecimento do (s) profissionais da imprensa que não exerceram o menor juízo crítico sobre o que declarava o delegado responsável pelo caso, nem sobre o que declaravam os pais que levaram a notícia para a polícia.

Todavia, lá, era apenas a suspeita do cometimento de um crime, no presente, a morte de uma criança é um fato certo. Este fato se deu na casa do pai biológico, próximo dele e da madrasta da criança. Obviamente, para um início de investigação, dentro do contexto, as primeiras suspeitas voltam-se contra essas pessoas.

E nisto não há qualquer violação da presunção de inocência, não há pré-julgamento, nem violação da intimidade ou imagem. Suspeito não é culpado. É necessário saber-se a diferença, para não haver a repetição estéril daqueles princípios jurídicos, como se fossem mantras.

Há quem entenda que não há interesse público no caso, mas apenas interesse do público. Parece-me um equívoco decorrente da mania anteriormente mencionada: esquecer-se da vítima, para não atingir a figura da sua excelência o (a) autor (a) do crime. Há interesse público em que crimes tão terríveis sejam totalmente esclarecidos e punidos os responsáveis ao final.

Talvez as falhas nas informações, acerca das investigações, que são passadas pela imprensa ao público, não ocorressem, com tanta freqüência, se os profissionais da imprensa conhecessem melhor o papel de cada uma das instituições envolvidas nesses casos – polícia, MP, e Poder Judiciário.

A investigação que a polícia faz é para buscar elementos que permitam identificar o autor do crime, suas circunstâncias, instrumentos, etc.. Mas não é um fim em si mesmo, porque a investigação, ao final, deverá resultar ou não em ação penal, promovida pelo MP. Exatamente por ter que ser dirigida ao MP _ pois no Estado de Direito é a única instituição que pode promover a ação penal _ no curso da investigação o MP pode e deve intervir, pois daquela formará seu convencimento sobre a existência ou não do crime e de sua autoria. Somente depois será encaminhado o processo ao Poder Judiciário, que decidirá sobre o cabimento ou não da acusação.

Assim, o delegado de polícia não tem a palavra final sobre ocorrência ou não de crime e sobre quem é seu autor. Na fase de investigação, o Poder Judiciário não pode dizer se a investigação deve ser feita dessa ou daquela maneira, pois no sistema processual penal brasileiro não há juízo de instrução.

Portanto o órgão do MP _ promotor de Justiça, ou procurador da República _ não está subordinado aos juízos do delegado, nem dos membros do Poder Judiciário que só depois da formalização da denúncia (acusação), repita-se, poderão decidir diante do que o MP oferecer para fundamentar sua acusação, e das provas produzidas pelas partes no curso do processo.

No caso Isabella, vimos um delegado determinando o sigilo, que só deve vigorar para não revelar a linha de investigação, para que provas não sejam destruídas, produtos do crimes ocultados, ou testemunhas ameaçadas. Vimos depois o magistrado aparentemente descontente por não ter o MP se submetido ao sigilo imposto pelo delegado. O Tribunal de Justiça revogou a prisão cautelar por entender não haver indícios de autoria. Será que já estaria em condição para tanto?

E nessa toada, lá vêm os adeptos da mania segundo a qual o MP só denuncia para aparecer, sem saber que essa atividade exige trabalho e empenho durante anos a fio, tempo que demora a tramitação de um processo. Portanto, os tais 15 minutos não representam nada.

Cumpre, sim, ao MP informar à população, se não houver prejuízos à investigação que instruirá sua denúncia, e se o segredo da justiça não for necessário, o que está efetivamente ocorrendo. Informação correta é o meio para a formação da compreensão sobre fatos e posterior elaboração de juízo de valor.

O direito é voltado para os fatos da vida, que deve ser expressão de valores adotados pela sociedade. Quando tais valores são desrespeitados, violados, tudo o que for necessário, para que sejam corrigidos os desvios e ofensas punidas, deve ser levado ao público em geral, pois algo deve ser ensinado, algo deve ser aprendido.

E nesse cipoal de normas processuais _ que são necessárias para garantia de todos os envolvidos _ os profissionais da imprensa, que não são obrigados a dominarem tal instrumental, ficam propensos a ir buscar informação com quem se dispõe a falar primeiro, sem atentar para o que é ou não da atribuição do entrevistado.


http://blogdofred.folha.blog.uol.com.br/arch2008-04-01_2008-04-30.html