segunda-feira, 24 de maio de 2010

Badan Palhares / 12/8/1996 -Entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura

Badan Palhares / 12/8/1996

Um mês e meio após o crime que abalou o país, o médico legista conta como foi a perícia e explica suas conclusões sobre as mortes de PC Farias e sua namorada Suzana Marcolino

MATINAS SUZUKI: Boa noite. Após um mês e meio do crime que abalou o país, ele afirma que Suzana Marcolino [namorada de PC Farias] matou o empresário PC Farias e depois se suicidou. No centro do Roda Viva está o médico legista da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] e da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, Fortunato Badan Palhares.

[Comentarista]:
Ele ganhou projeção nacional como investigador rigoroso e especialista em desvendar crimes famosos, mas não é detetive. Fortunato Antônio Badan Palhares, casado, dois filhos, é médico legista e professor da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, onde chefia o Departamento de Medicina Legal. Badan Palhares começou o curso de medicina quando tinha 23 anos. Ganhou uma bolsa de estudos do governo português e se formou na Universidade de Coimbra, se especializando em anatomia patológica.

Como médico legista, já assinou cerca de quatro mil laudos em quase trinta anos de carreira e tem ajudado a polícia e a Justiça a desvendar casos complicados. Badan Palhares recorre à engenharia genética para provar uma tese que repete sempre: a de que não existe crime perfeito, desde que o local tenha sido preservado. Há cinco anos, a equipe de Badan Palhares iniciou a identificação das 1.049 ossadas encontradas num cemitério clandestino em Perus e que podem pertencer a desaparecidos políticos.

Esse trabalho ainda não foi concluído. [Em São Paulo, no dia 4 de setembro de 1990, foi aberta a Vala de Perus, localizada no cemitério Dom Bosco, na periferia. A vala foi construída pelo Serviço Funerário Municipal, entre 1975 e 1976, para esconder os restos mortais de presos políticos torturados e assassinados, e de pessoas pobres consideradas indigentes, durante o período militar.

Após um convênio celebrado entre a prefeitura de São Paulo, a Unicamp e o governo do estado, as ossadas foram entregues aos peritos para serem identificadas]. Sua investigação mais recente foi a morte de Paulo César Farias e Suzana Marcolino, em Maceió. Depois de 39 dias, Badan Palhares divulgou um laudo que confirma a versão defendida pela polícia de Alagoas no dia do crime. Suzana baleou PC enquanto ele dormia e depois se suicidou sentada na cama.

MATINAS SUZUKI: Para entrevistar esta noite o doutor Badan Palhares, nós convidamos: Percival de Souza, que é escritor e repórter especial do Jornal da Tarde; Luciano Suassuna, redator-chefe da revista Isto é; Mônica Teixeira, editora-chefe do SBT Repórter; Heródoto Barbeiro, apresentador do programa Opinião Nacional aqui da TV Cultura; Josias de Souza, secretário de redação da Folha de S.Paulo e Vasconcelo Quadros, repórter do Jornal do Brasil. Boa noite, Badan Palhares.
F. BADAN PALHARES: Boa noite.
MATINAS SUZUKI: Antes de entrarmos no assunto que está mexendo com especulações em toda a sociedade brasileira, eu gostaria que o senhor explicasse o que é um médico legista. O que ele faz e como se forma?
F. BADAN PALHARES: O médico legista, na verdade, é um auxiliar da Justiça. É um médico que deveria ter, na verdade, uma formação especial para desenvolver esse tipo de atividade, mas, infelizmente, nossas estruturas ainda não permitem uma boa formação de perito.
Hoje, para ser perito médico, você precisa prestar um concurso público, que nem sempre é difícil de passar, e ficar na Academia de Polícia [Civil] por três ou quatro meses. Aí, você já se torna um perito para poder assinar os laudos e ser responsável por esses documentos extremamente sérios. Entendo que existe uma falha na formação do perito. Nós não temos também, dentro da estrutura universitária, cursos de pós-graduação para formar especialistas e professores de medicina legal. Portanto, temos uma falha no início da carreira. Isso pode explicar, muitas vezes, falhas muito sérias nas perícias deste país.
MATINAS SUZUKI: Nós temos aqui as imagens computadorizadas feitas pela sua equipe e que explicariam as duas mortes. Nós vamos mostrar essas imagens para o nosso telespectador e, se o senhor puder, por favor, ao mesmo tempo em que as imagens são mostradas, ir explicando quais foram as conclusões, eu agradeceria.

F. BADAN PALHARES [explica as animações do video] Essa imagem é vista de cima, na tentativa de mostrar a Suzana atirando no corpo de PC. Ele estaria em decúbito lateral e, depois de receber o disparo, muda de posição e vai assumir a posição final em que foi encontrado no local. É importante notar como as pernas rodam, e essa mudança de posição das pernas facilitou com que o lençol e o cobertor se enrolassem nas pernas dele, isso foi detectado no local pelos os peritos.

É lógico que nem todos os movimentos que estão sendo vistos aqui foram exatamente como aconteceram, mas é para se ter uma idéia aproximada. A mesma coisa acontece em relação à Suzana. Quando ela dispara a arma, veja que o revólver cai a uma certa distância, exatamente por estar sendo seguro de uma forma anômala, e ela então, aos poucos, vai perdendo o seu equilíbrio.

Ela estava voltada um pouco para frente, depois vai perdendo o equilíbrio e tomando uma posição final. Na sua queda, ela também movimenta o braço de PC. Vocês podem ver que há uma movimentação do braço no final da queda. Isso foi importante para demonstrar como foi que o braço dele mudou de posição e foi coberto com algumas gotas de sangue. Vejam a movimentação dos pés, particularmente, da perna esquerda agora: esse dado é importantíssimo para mostrar como aquelas gotas que estavam no lençol se formaram, como nós interpretamos esse material, mesmo passado algum tempo.

MATINAS SUZUKI:: Doutor, a revista semanal Isto é publicou uma ilustração contestando essa versão, se baseando em dois outros legistas: o Nelson Massini, que inclusive foi colega do senhor na Unicamp e na Universidade Federal de Alagoas, e o George Sanguinetti. Sobre a morte do empresário PC Farias, eles dizem que seria impossível que ela, de pé e ao lado da cama, pudesse dar um tiro que atingiria o peito do lado esquerdo do empresário e sairia pelo lado direito, quer dizer, essa trajetória da bala seria impossível. Além disso, eles afirmam que só ela estando no teto, em cima do quarto, é que a bala poderia fazer essa trajetória. Como o senhor contestaria essa versão?

F. BADAN PALHARES: Não preciso contestar. O laudo que nós elaboramos é extremamente claro nesse sentido, e muito provavelmente as pessoas que estão contestando não tiveram acesso ao corpo, não examinaram nada, estão falando por suposições. Quem fala por suposição tem uma grande probabilidade de errar. Se eu não tenho condições de examinar, localizar, visualizar, entender o que efetivamente aconteceu, eu posso ter uma impressão diferente da real. Isso é muito comum quando nós pegamos uma fotografia e vamos interpretá-la.

Se vocês, por acaso, me dessem uma fotografia desse ambiente, eu poderia ter uma imagem bidimensional, jamais uma imagem tridimensional, o que pode me levar a erros de interpretação. Muito seguramente, esses dois colegas estão sendo levados por um erro de interpretação e não conhecem efetivamente os corpos examinados.

HERÓDOTO BARBEIRO: Por que então o corpo do PC Farias não apresenta sinais do tiro? Ele não apresenta sinais de pólvora. De que distância ela precisaria ter dado o tiro para que nenhum resquício da explosão do projétil pudesse ter atingido o corpo dele?

JOSIAS DE SOUZA: Só para complementar, o senhor antes de ir para Alagoas, dizia que quando uma pessoa recebe um tiro, como ele recebeu, costuma sangrar pelo canto da boca e pela narina. Por que não havia esse tipo de sangramento no corpo de PC, que foi uma hipótese que o senhor próprio levantou?

F. BADAN PALHARES: Naquela ocasião, levantei isso e disse também que seria prudente examiná-los com detalhes para poder explicar esse fato, o que acabou acontecendo. Nós só vamos encontrar resíduos de pólvora ou de micropartículas metálicas na roupa ou na pele da vítima quando o disparo for efetuado até uma certa distância, dependendo da arma. Há armas que chegam a atingir um metro e meio, um metro e oitenta, um metro e vinte, até dois metros.

Neste caso, em particular, não se visualizava a olho vivo absolutamente nada, mas quando nós levamos esse material, que foi o pijama dele, para um exame de laboratório, com recursos um pouco mais sofisticados, um pouco mais precisos, eles acabaram demonstrando que existiam ali micropartículas metálicas e até um cone de dispersão. Isso também está contido no laudo, portanto, aquilo que não foi visualizado macroscopicamente, pode ser detectado através de equipamentos mais modernos, que conseguem captar micropartículas.

Nós utilizamos, por exemplo, fluorescência de raios-X e ultramicroscopia de varredura, que são equipamentos extremamente sofisticados. Com relação a não ter realmente saído gotas de sangue pelas narinas e pela boca é porque essa morte foi muito rápida, foi praticamente imediata. Acredito que o caso de PC Farias não ultrapassou um minuto, porque esse projétil, ao atravessar o corpo, seccionou a artéria aorta e seccionou também a [veia] cava, que capta todo o sangue que vai para a cabeça e para o pescoço, as áreas superiores.

A aorta é a artéria que leva todo o sangue do coração para o organismo, é o maior vaso que nós temos. Com a ruptura disso, a pressão cai a zero, não existe mais irrigação para o cérebro e portanto, não tem mais consciência, o individuo morre instantaneamente. Ele pode não ter morrido instantaneamente, mas passou a não ter mais consciência e ficou praticamente sem nenhum tipo de reflexo.

MÔNICA TEIXEIRA: Então, se a Suzana Marcolino era amadora, teve uma sorte incrível, porque pegou no lugar certo, já que ele morreria em um prazo extremamente curto?

F. BADAN PALHARES: Se nós simplesmente dialogarmos nesse sentido, será realmente muito fácil pensar dessa forma. Só que o local onde entrou esse projétil não teria uma direção tão precisa quanto essa que foi dita por você agora.

MÔNICA TEIXEIRA: Não, o senhor que disse!

F. BADAN PALHARES: Eu disse, porque ela atingiu realmente a artéria aorta. Mas foi um tiro que entrou realmente no nível dessa região muito próxima da axila, em função da posição em que ele se estava. Isso fez com que o projétil corresse entre a pele, o tecido de pouso e a musculatura, sem atingir de imediato o gradil costal.

Então, houve uma modificação nessa trajetória. O tiro penetrou, transfixou o pulmão, transfixou os grandes vasos da base do coração e resultou nisso. Na continuidade, por incrível também que pareça, ele bateu no corpo da quarta vértebra, se deslocou e fraturou o quarto arco costal [região entre a costela e a cartilagem], modificou sua trajetória e foi em direção à região infra-escapular [músculo embaixo da omoplata], onde ficou alojado.

PERCIVAL DE SOUZA: Doutor Badan, o senhor foi lá na casa de praia e uma das primeiras coisas que fez foi providenciar um teste através de disparo de arma de fogo para saber se esses disparos seriam audíveis pelo lado de fora, exatamente onde estavam os seguranças do PC. Eles declararam ao policial que nada tinham ouvido. O senhor não tem dúvida nenhuma quanto a isso, que todo mundo que estava lá ouviu esses disparos. Isso teve peso no seu trabalho? Eu tive a impressão que o senhor deixou esse detalhe de lado...Se eu estiver enganado, o senhor me corrija, por favor.

F. BADAN PALHARES: Não, Percival. Nós estivemos duas vezes na casa, uma delas foi no dia em que chegamos à noite, no período em que o crime aconteceu. E nós precisávamos saber se aquele ambiente tinha muitos ruídos de ruídos de fundo como, por exemplo, barulhos da avenida que passa exatamente em frente à casa. Constantemente nós escutamos, durante o período que estivemos lá, alguns escapamentos de carros explodindo.

LUCIANO SUASSUNA: A que horas o senhor esteve lá, doutor Badan?

F. BADAN PALHARES: Nós estivemos lá às nove horas da noite e saímos de lá às dez e pouco.

LUCIANO SUASSUNA: Pelo laudo do senhor, ele morreu entre cinco horas e sete e meia da manhã.

F. BADAN PALHARES: Sim, evidentemente.

LUCIANO SUASSUNA: Convém dizer que entre nove da noite e cinco, sete da manhã, os ruídos de fundo são muito diferentes.

F. BADAN PALHARES: São diferentes sim.

MATINAS SUZUKI: Uma outra coisa que me chama a atenção é que eram seguranças dele, que estão acostumados com ruídos de tiro e sabem identificá-los, eu imagino.

F. BADAN PALHARES: Mas nós fizemos um teste lá e nem sempre isso é muito fácil de se detectar. É lógico que o segurança tem a obrigação de estar atento para esses detalhes, mas eles já tinham sido praticamente dispensados da guarda. Vocês se recordam que, perto das quatro horas da manhã, ele mesmo disse que a guarda podia relaxar, pois ele ia dormir, e que o chamassem por volta de onze horas.

Entendo também - mas não posso responder por eles - que a grande preocupação dos seguranças era com ruídos fora da casa, na tentativa de se arrombar a casa, etc e não com ruídos internos. Mas, por que nós fizemos o teste? Para saber se [o tiro] era audível, para saber até que ponto esses seguranças poderiam ter ou não ouvido algo.

Foram audíveis, mas à noite, embora não fosse realmente às cinco horas da manhã - estivemos em um período em que se ouvia muito a brisa do mar e o barulho que a maré fazia ao bater as ondas na praia. E era um barulho muito próximo de onde estavam os seguranças. Era uma noite também de véspera de São João [comemorado em 24 de junho] e, em todo lugar do Brasil, São João é comemorado com fogos de artifício, que podem simular...

LUCIANO SUASSUNA: [Interrompendo] Até às cinco horas da manhã?

F. BADAN PALHARES: Como não?

LUCIANO SUASSUNA: Até às sete e meia?

F. BADAN PALHARES: Na minha casa, costumo ouvir rojões até seis, sete horas da manhã, independentemente de ser época de São João.

LUCIANO SUASSUNA: O senhor levou um aparelho para medir a intensidade desse som?

F. BADAN PALHARES: Essa tentativa não tinha a intenção de saber quantos decibéis existiam no interior e fora da casa. Era saber se era ou não audível, e ele passou a ser audível. Disparamos dois tiros e fizemos com que houvesse um terceiro ruído, que alguns ouviram e outros não. Alguns ouviram como se fosse um terceiro disparo, mas não era um terceiro disparo, foi simplesmente uma agenda jogada no chão e que deu um barulho semelhante a um disparo. Então, é importante entender que, se nós estamos preparados para escutar alguma coisa, nós podemos até escutar algo que não existe, mas quando nós estamos relaxados, pode ser até que nós não venhamos a dar a devida atenção para um determinado som...Eu não quero justificar isso!

LUCIANO SUASSUNA: Por que o senhor achou que isso não tem importância?

F. BADAN PALHARES: Eu não descaracterizei isso, está contido no laudo.

LUCIANO SUASSUNA: Mas por que o senhor disse que isso não tem importância?

F. BADAN PALHARES: Não, ele tanto teve importância que nós fizemos a simulação para saber se ele poderia ou não ser audível, e ele foi audível. Agora se isso não foi ouvido pelos seguranças, não sou eu quem deve responder, é uma investigação policial que deve continuar.

LUCIANO SUASSUNA: Em relação a esse teste do tiro, os jornalistas estavam do lado de fora, no lugar onde os seguranças teoricamente estariam, e todos ouviram. Podemos até dar o desconto de que as pessoas estavam esperando alguma coisa...Agora, no momento do disparo, havia pessoas muito mais próximas do quarto onde o PC recebeu o tiro, que estavam no alojamentozinho do lado. Podia até mesmo ter gente dentro da casa, como um cozinheiro ou um garçom...

F. BADAN PALHARES: Não, isso não existia mais.

LUCIANO SUASSUNA: Não?

F. BADAN PALHARES: Não. Todos eles foram ouvidos. Você deve ter tido acesso ao inquérito e viu que, nesse horário provável da morte, eles já não estavam mais na casa.

LUCIANO SUASSUNA: Só os dois seguranças da frente?

F. BADAN PALHARES: Só os dois seguranças.

LUCIANO SUASSUNA: E nem os do fundo?

F. BADAN PALHARES: Nem os do fundo.

VASCONCELO QUADROS: O que me chamou a atenção - eu cobri o caso lá, acompanhei o seu trabalho - é que fiquei perto da praia, bem distante de onde estariam os seguranças, não estava nem preparado para ouvir o teste, mas ouvi o barulho! Não sei distinguir direito entre tiro ou rojão, mas era um barulho semelhante a um tiro, que eu teria ouvido com o dobro de distância de onde eu estava. Então, surgiu aquela idéia de que seria impossível alguém não ter ouvido os tiros, estando próximo ao local.

F. BADAN PALHARES: O teste foi feito exatamente para mostrar que havia possibilidade de ser ouvido. Se os depoimentos não batem, é uma questão de investigação policial. Não é pericial, porque a perícia foi feita e demonstrou que os disparos poderiam ser ouvidos, em tese.

VASCONCELO QUADROS: Então coloca-se em dúvida os depoimentos prestados pelos seguranças de PC?
F. BADAN PALHARES: Eu não posso responder por eles.

VASCONCELO QUADROS: E como o laudo pode garantir, por exemplo, que trata-se de um crime passional, de um homicídio seguido de suicídio, quando um detalhe como esse não consegue ser respondido?

F. BADAN PALHARES: Nesse caso, o aspecto pericial tem que estar envolvido com os elementos internos, com os corpos, com o local em que o crime aconteceu, e você ter a possibilidade de encontrar dados que possam te dar a certeza de que aquele local não foi violado. E não houve violação do local. Em segundo lugar, a forma como os corpos foram encontrados, o tempo aproximado de morte de ambos e as características do local que foram levantadas, mesmo depois de uma semana.

HERÓDOTO BARBEIRO: Havia restos de sangue na bala que atravessou o corpo dela e se alojou na parede?

F. BADAN PALHARES: Sim, tanto é que nós conseguimos fazer o DNA exatamente em função de uma gota de sangue que estava nessa passagem do projétil pela parede.

HERÓDOTO BARBEIRO: Consta no relatório isso?

F. BADAN PALHARES: Consta no relatório.

MATINAS SUZUKI: Doutor Badan, fazendo uma pergunta de leigo, o senhor comprovou que o PC estava dormindo na hora que tomou o tiro?

F. BADAN PALHARES: Não, nós não dissemos que ele estava dormindo, mas que ele estava deitado em decúbito lateral ou praticamente ventre lateral quando recebeu o disparo. Mas muito provavelmente, estava dormindo.

MATINAS SUZUKI: Uma pessoa que, teoricamente, não tenha experiência com armas e tiros, é razoável que atire em alguém de frente, tendo a oportunidade de atirar por trás? E é razoável que ela atire no peito e não atire na cabeça, por exemplo? Foi muita sorte ou muita perícia o tiro dela? Não seria mais fácil ela dar a volta na cama e já que ele estava deitado, talvez dormindo e sem condições de vê-la atirando, dar-lhe um tiro na cabeça? Não seria mais seguro para ela?

JOSIAS DE SOUZA: Complementando, o ministro da Justiça, Nelson Jobim, diz que, dificilmente, há um crime passional com um tiro só, tão limpo, tão “clean”. O senhor também tem essa informação?

F. BADAN PALHARES: Já que você colocou uma dúvida, eu coloco outra também para que a gente possa discutir. Não poderia ter sido um azar ela ter tentado dar um tiro só para assustar e, na verdade, matou?

MATINAS SUZUKI: Claro!

F. BADAN PALHARES: Pode ser.

MÔNICA TEIXEIRA: Então, ela teve muito azar e não muita sorte!

F. BADAN PALHARES: Dentro das hipóteses, isso também tem que ser levado em consideração. Mas nós não vamos entrar nesses detalhes. A tentativa de explicação é que o momento dos fatos é imprevisível. A reação humana em determinadas circunstâncias é imprevisível. É difícil poder te responder por que ela não foi lá e lhe deu um tiro na cabeça. Seguramente, se ela visava matá-lo, teria muito mais possibilidade de obter êxito. E, realmente, seria muito mais fácil ela dar a volta e atirar pelo outro lado, pelas costas, onde ela teria certeza de que ele não poderia impedi-la de atirar.

LUCIANO SUASSUNA: Vamos fazer uma ressalva. No início, o senhor contestou as afirmações dos legistas Nelson Massini e George Sanguinetti. Mas, na primeira informação passada à imprensa em Alagoas, os peritos locais deram justamente a outra posição: ela teria dado o tiro por trás. Só corrigiram isso depois que esses dois legistas disseram que seria impossível o PC ter virado naquela posição, se ela tivesse disparado o tiro por trás dele.

F. BADAN PALHARES: Eu acho que você está um pouco mal informado...O Sanguinetti e o Massini deram a informação contrária a que você está colocando.

LUCIANO SUASSUNA: Eles disseram que ele não poderia se virar...

F. BADAN PALHARES: [interrompendo] Não, eles têm uma informação diferente da que você está prestando aqui agora. Desde o início, os peritos que fizeram o local tinham a convicção de que o disparo foi exatamente como chegamos à conclusão agora, no final do laudo. Até porque é inviável que se desse um tiro aproximadamente um metro de distância do outro lado, porque não existia espaço entre a cama e a parede para que isso acontecesse...

LUCIANO SUASSUNA: Mas eles não falaram em distância na primeira versão.

F. BADAN PALHARES: Eles fizeram até um croqui [desenho que simula uma idéia], em que mostravam isso. Talvez a notícia tenha sido mal redigida.

HERÓDOTO BARBEIRO: Doutor Badan, já que o doutor Sanguinetti, que o senhor acabou de citar agora, foi uma das primeiras pessoas a contestar a primeira versão - que era homicídio seguido de suicídio - por que ele não foi convidado para, pelo menos, acompanhar o caso como observador, já que ele colocava sob suspeita essa versão? Por que ele foi deixado de fora?

MÔNICA TEIXEIRA: O senhor conversou com ele?

VASCONCELO QUADROS: Ele nos disse que pediu e que o senhor não permitiu que ele participasse dos trabalhos.

F. BADAN PALHARES: Bom, você estava lá e se recorda do último dia, quando ele esteve conosco. Tivemos uma entrevista com todos os peritos e ele veio se justificar. Nós o convidamos sim. No dia em que fizemos o convite para as exumações e necropsias, a secretária dele me informou que ele não poderia ir, porque tinha um compromisso com o Jô Soares [apresentador de programa de entrevistas na TV Globo] naquele dia.

HERÓDOTO BARBEIRO: Eu conversei com ele hoje por telefone e ele me disse que o senhor não o convidou e, por isso, ele não compareceu.

F. BADAN PALHARES: A secretária recebeu o telefonema! Eu disse isso em plenário, ele estava presente e não refutou.

JOSIAS DE SOUZA: Doutor Badan, o trabalho que o senhor fez está baseado em hipóteses, ainda que ancorado em exames científicos. O senhor, quando explicava a trajetória do corpo, disse: "Pode ser que não tenha sido exatamente esse o movimento, nós estamos trabalhando com o que se imagina que tenha acontecido naquele momento". Ao falar dos seguranças, o senhor também disse que seria necessário complementar com investigações. Qual é a chance percentual desse seu trabalho estar equivocado?

F. BADAN PALHARES: Dentro do aspecto pericial, as hipóteses são levantadas em função dos elementos encontrados. Mas também estamos tentando demonstrar através de uma tese.

JOSIAS DE SOUZA: O senhor concorda que é uma hipótese?

F. BADAN PALHARES: Não, no início ela é uma hipótese.

MÔNICA TEIXEIRA: Mas agora que está concluído, é uma interpretação, né?

F. BADAN PALHARES: Não.

MÔNICA TEIXEIRA: É mais que uma interpretação?

F. BADAN PALHARES: Ela é uma afirmação, ela não é uma interpretação. Eu concluo e assino embaixo. Levanta-se uma hipótese e você tenta, através dos levantamentos periciais, comprovar essa hipótese, defender essa tese. Quando você tem respaldo, você comprova sua tese, afirma e conclui. E foi o que nós fizemos. Nós, em princípio, não admitimos a hipótese de suicídio. Nós, primeiro, partimos da hipótese de ser duplo homicídio.

Aliás, toda vez que vamos investigar um caso de autoria desconhecida, é obrigatório que você parta para isso. Primeiro, você exclui a possibilidade de homicídio para, depois, quando você não tiver mais condições de afirmar que aquilo é homicídio, você admitir o suicídio. E quando você admite o suicídio, você tem que provar isso. Foi provado: existe um homicídio, seguido de suicídio, nesse caso em particular. Não existem mais hipóteses, existe agora um laudo.

JOSIAS DE SOUZA: Então o senhor não dá meio por cento de probabilidade de ter erro no seu laudo?

F. BADAN PALHARES: Não, a não ser que dados novos apareçam e mudem completamente todas as interpretações tidas por nós até este momento. Se surgirem dados novos, sim. Se não surgirem dados novos, não existe a possibilidade.

MÔNICA TEIXEIRA: Trabalho do perito é uma interpretação, não é?

F. BADAN PALHARES: É lógico, é uma interpretação provada em cima do que nós temos hoje com os dados concretos.

MÔNICA TEIXEIRA: Com os mesmos dados, não se pode ter uma outra interpretação?

F. BADAN PALHARES: Só se você não conhecer todos os dados efetivamente.

MÔNICA TEIXEIRA: Mas o senhor conhece todos os dados?

F. BADAN PALHARES: Eu conheço.

MATINAS SUZIKI: Doutor Badan, falando em novos dados, o jornal Folha de S.Paulo está distribuindo uma matéria hoje, dizendo que a diretora do Departamento de Polícia Técnica da Bahia, Maria Theresa Pacheco, diz que "O empresário Paulo César Farias não morreu entre cinco horas e trinta e sete da manhã, conforme o laudo do legista Fortunato Badan Palhares. Estou convicta que o empresário morreu, no máximo, duas horas depois de ter jantado". Ela foi responsável pelos exames de toxicologia realizados nas vísceras do empresário PC Farias.

F. BADAN PALHARES: Eu prezo demais a doutora Maria Theresa, a conheço de longo tempo, e foi realmente o seu grupo que fez os exames toxicológicos. Ela está se baseando, na verdade, em cima do fato de ter encontrado ainda no estômago de PC Farias uma certa quantidade de alimentos não digeridos. Mas, ela esquece também que existem outros dados que foram levados em consideração para que nós pudéssemos considerar esse horário da morte provável dele e de Suzana.

Ela esqueceu de avaliar, por exemplo, que na bexiga de PC foram encontrados 150ml de urina. Todos nós temos o hábito, quando vamos nos deitar, de esvaziarmos a nossa bexiga. Então, se levarmos isso em consideração e sabendo-se também que, durante a noite, o período de excreção é menor, vamos avaliar que, em média, 50ml de urina por hora são excretados, o que levou aproximadamente três horas para que se coletasse 150ml. Portanto, temos esse intervalo muito tranqüilo para que isso possa ter acontecido.

PERCIVAL DE SOUZA: Doutor Badan, mediante disso que os colegas também estão colocando, há um detalhe que eu considero muito importante. O Instituto de Criminalística de São Paulo, que é um organismo que tem reputação e competência, transcreveu aquela gravação que a Suzana fez ao telefonar para um dentista aqui em Santo André.

Segundo eles, apareceria ao fundo dessa gravação uma frase com as palavras: “O que você está fazendo? Arrume-se!”, e os peritos que o senhor chefia na Unicamp, através da fonética forense, entenderam que o diálogo não seria bem esse. Eu gostaria que o senhor explicasse isso. E segundo, diante da posição do corpo do PC, por que ele tinha resíduos de chumbo e de pólvora nas mãos? O que significa isso?

F. BADAN PALHARES: Com relação à fita magnética, foi o doutor Ricardo Molina [pesquisador e então coordenador do Departamento de Fonética Forense da Unicamp] quem fez o levantamento. Realmente, ele é um foneticista que eu considero de grande gabarito. Ele não só avalia o aspecto dos fonemas, como também faz um rastreamento de todo o perfil, com ruídos de fundo, etc.

Ele pode provar e comprovou que foram três telefonemas e não dois, como saiu pelo Instituto de Criminalística de São Paulo. O intervalo do primeiro para o segundo telefonema foi de aproximadamente uma hora, e do segundo para o terceiro, foi menos de dois minutos. O primeiro telefonema, ela desligou porque quis. Nos outros dois, ela não desligou, mas foram cortados, porque ultrapassaram trinta segundos e a caixa postal estava cortando.

E ele pode provar também, através de ruídos de fundo, que quando ela fez os dois últimos telefonemas, estava andando dentro da casa. Isso também foi objeto de análise. Portanto, aquele “Arrume-se!” foi uma voz que aconteceu um pouco depois de três movimentos sincrônicos, como se tivesse batido na porta, em uma madeira e depois desses três movimentos, se ouviu também algo semelhante a isso [Badan bate o copo na mesa, reproduzindo o som a que se refere], só que não era esse tom metálico, era um som de algo que bateu em um suporte de pedra.

E, naquele momento, ela também não estava caminhando, pois não se ouviu o ranger das tábuas. Isso fazia supor que ela estivesse no banheiro, quando bateram na porta ou em algum lugar, perguntando o que ela estava fazendo e mandando ela se arrumar. Nos outros dois telefonemas, não houve interferência de nenhuma outra voz.

PERCIVAL DE SOUZA: Essa voz pode ser do PC ou de uma terceira pessoa?

F. BADAN PALHARES: Eventualmente.

VASCONCELLO QUADROS: Isso não é relevante?

F. BADAN PALHARES: Lógico que é relevante, foi levado em consideração.

VASCONCELLO QUADROS: O senhor descarta a hipótese de ser de uma terceira pessoa?

F. BADAN PALHARES: Sim, porque o local foi exaustivamente examinado e não se observou em nenhuma das portas, em nenhuma das venezianas, em nenhum local, nada que pudesse simular um arrombamento ou qualquer coisa nesse sentido.

VASCONCELLO QUADROS: Não precisa necessariamente ter arrombado para entrar.

F. BADAN PALHARES: Sim, mas as portas estavam fechadas com a chave pelo lado de dentro. E esse tipo de fechadura não permitia que ninguém abrisse as portas por fora.

VASCONCELLO QUADROS: E as mãos do PC, doutor?

F. BADAN PALHARES: Por que existiam micropartículas metálicas no dorso das mãos de PC? Porque, muito provavelmente, pela posição dele quando recebeu o tiro, essas mãos estavam próximas daquele cone de dispersão das micropartículas metálicas. Isso nós reproduzimos em laboratório.

Eu peguei a calça do pijama de PC, que não tinha nenhum comprometimento porque estava coberta com o cobertor, levei para o stand de tiro, seccionei, fiz dois moldes, coloquei um toucinho limpo e cobri aquele toucinho exatamente com esse pijama, e lá nós disparamos a cinquenta centímetros, oitenta centímetros, um metro e um metro e vinte de distância. Conseguimos detectar partículas até um metro e cinqüenta centímetros de distância.

VASCONCELLO QUADROS: No dorso?

F. BADAN PALHARES: No dorso da mão. A quantidade de partículas era pequena, mas existia.

MATINAS SUZUKI: Doutor Badan, a esse respeito, a telespectadora Maria Regina, de Campinas, pergunta se a força do impacto do projétil seria suficiente para virar o corpo de alguém obeso, como o PC, inclusive provocando o movimento dos quadris.

F. BADAN PALHARES: Seguramente não foi só o projétil que produziu isso. Ele deveria estar dormindo e o susto que ele levou com o impacto fez com que ele acordasse, fazendo com que ele mudasse também de posição. Também houve toda a energia cinética do projétil que, afinal de contas, ficou alojado no corpo de PC, com toda aquela energia. Portanto, é um impacto importante, violento, além do fato de ele estar numa posição que facilitou o deslocamento para o outro lado, em função do próprio susto que ele levou e da dor que sentiu.

JOSIAS DE SOUZA: Uma coisa que o senhor disse é que está convencido de que não houve violação de local.

F. BADAN PALHARES: Eu estou convencido pelos elementos que constatamos.

JOSIAS DE SOUZA: Agora há pouco, o senhor disse que as portas e janelas estavam trancadas no momento em que o crime ocorreu. Não quero que o senhor entenda a minha pergunta como desconfiança em relação ao trabalho que o senhor fez. O senhor foi uma das últimas pessoas a chegar lá. Antes do senhor, entraram lá o secretário de segurança, o irmão da vítima, os seguranças do PC, um monte de gente entrou naquele quarto.

Como o senhor pode assegurar, em primeiro lugar, que as portas estavam trancadas? Segundo lugar, como o senhor pode assegurar que o ambiente não havia sido violado? Terceiro lugar, não tendo condições de afirmar que as portas estavam trancadas, como o senhor pode garantir que a voz que registraram naquela gravação não é de uma terceira pessoa? Essas coisas, ao meu ver, não podem ser afirmadas com 100% de certeza.

MATINAS SUZUKI: Voltamos com Roda Viva, que entrevista o legista Badan Palhares. Antes do intervalo, o Josias havia feito uma pergunta para o senhor. Se o senhor puder responder agora...

F. BADAN PALHARES: Josias, quando nós chegamos, já havia sido feita uma primeira perícia no local, com os peritos locais e uma primeira necropsia com os próprios médicos legistas de lá. Antes de tomarmos qualquer tipo de atitude, a primeira coisa fizemos foi obter informações oficiais por essas pessoas.

Ficamos lá durante várias horas discutindo todo o material recolhido, todas as hipóteses que eles tinham levantando, e somente depois disso é que optamos por fazer uma segunda visita ao local com uma metodologia a ser aplicada a partir daquele momento em função de alguns elementos que não estávamos também entendendo.

A documentação apresentada era farta, os principais pontos estavam devidamente registrados e bem documentados. Portanto, nós tínhamos que confiar naqueles que estiveram no local de imediato. As dúvidas que surgiram em relação aos exames anteriores foram objetos de uma avaliação mais minuciosa.

JOSIAS DE SOUZA: O senhor então conclui que o ambiente estava fechado, a partir da declaração feita pelo deputado Augusto Farias [irmão de PC] e pelos seguranças do PC?

F. BADAN PALHARES: Não.

JOSIAS DE SOUZA: Porque foram os primeiros a chegar no local, só eles poderiam afirmar se estava fechado ou não.

F. BADAN PALHARES: Sim, a perícia local ouviu essas pessoas para poder saber exatamente como tinha sido o acesso ao local.

JOSIAS DE SOUZA: A janela tinha sinais de arrombamento?

F. BADAN PALHARES: Tinha, isso está contido no laudo.

VASCONCELO QUADROS: Como eram esses sinais?

F. BADAN PALHARES: Os sinais estão muito bem documentados fotograficamente. A parte que separa uma folha da veneziana da outra tinha várias marcas de alongamento, deixadas por instrumento pesado, tanto pelo lado de fora como pelo lado de dentro. O ferrolho que segurava aquela veneziana em baixo foi forçado, arrebentou toda a lateral da veneziana por onde ele passou.

HERÓDOTO BARBEIRO: [Interrompendo] Isso poderia ter acontecido independentemente da porta estar fechada ou não?

F. BADAN PALHARES: Isso não poderia acontecer.

VASCONCELLO QUADROS: Leva a crer, na sua opinião, que foi forçada?

F. BADAN PALHARES: Não, foi forçado, porque era algo recente, se fosse algo mais antigo, você encontraria outros depósitos. As marcas deixadas pela ranhura das madeiras eram recentíssimas.

HERÓDOTO BARBEIRO: Como o senhor não assistiu a esse fato que está descrevendo, isso poderia ter sido feito com a porta fechada ou aberta?

F. BADAN PALHARES: Aí é questão de quem esteve no local poder afirmar isso seguramente. Mas tem um detalhe importante: quando o perito chegou ao local, a primeira coisa que ele viu, perto de onze e meia da manhã, é que a luz do quarto estava acesa. Quer dizer, alguém que vai montar alguma cena vai lembrar de acender a luz também durante o dia? Então, são pequenos detalhes que você tem que levar em consideração em função dos elementos ali encontrados.

HERÓDOTO BARBEIRO: Tem mais um detalhe, doutor Badan, nessa linha de raciocínio do senhor. Havia alguma impressão digital em qualquer parte da arma ou em qualquer uma das balas que foram colocadas naquele tambor?

F. BADAN PALHARES: Quando nós chegamos, a arma já tinha sido levada para a Bahia e já estava sendo examinada lá. Mas o que nós soubemos é que não conseguiram captar nenhuma impressão digital na arma.

HERÓDOTO BARBEIRO: Nem no gatilho?

F. BADAN PALHARES: Nem no gatilho. Mas isso é comum, não é tão usual esse conceito que nós temos de chegar ao local do crime, encontrar a arma e fazer as impressões digitais. A impressão digital não se tira assim tão facilmente. Para ser tirada, nós temos que diferenciar o que é impressão digital do que são marcas deixadas por dedos...

VASCONCELO QUADROS: No metal, pode-se deixar perfeitamente a impressão digital, não é?

F. BADAN PALHARES: Pode, pode.

VASCONCELO QUADROS: Imagina-se que a Suzana não pegou essa arma pelo cabo...Supondo que foi ela quem atirou no PC e nela própria, ela deve ter manuseado mais essa arma.

F. BADAN PALHARES: Muito provavelmente.

VASCONCELO QUADROS: E aí não deixaria um vestígio, pelo menos um fragmento de digital?

F. BADAN PALHARES: Veja, a impressão digital, para ser válida, tem que ter pontos importantes, pelo menos doze pontos característicos bem nítidos.

VASCONCELO QUADROS: Mas não havia nenhum?

F. BADAN PALHARES: Ali existiam traços de impressões que não serviram para poder identificar absolutamente nada. Isso é comum.

HERÓDOTO BARBEIRO: Nem na cápsula?

F. BADAN PALHARES: Na cápsula poderia, mas não examinei, foram os peritos da Bahia. Eles disseram que não encontraram. E mesmo em locais de crimes, as superfícies são rugosas, não deixam realmente marcas nítidas. Pode ver que nos casos de arrombamento, a polícia procura e não consegue detectar...Mas os depoimentos têm que ter valor também. O caseiro, por exemplo, é uma pessoa muito simples. Se ele for interrogado, com um pouco de energia, não tem condições de cair em contradição.

JOSIAS DE SOUZA: Uma pessoa muito simples também é altamente influenciável, né?

F. BADAN PALHARES: Sim, mas quando se leva uma pessoa dessas para fazer uma averiguação na delegacia, ela não fica com seu advogado ao lado dizendo “Você fala isso, você não fala aquilo”.

JOSIAS DE SOUZA: Mas isso pode ser feito antes.

F. BADAN PALHARES: O advogado pode estar junto, mas não pode interferir naquilo que ele vai responder ou não. E o delegado tem como perguntar.

LUCIANO SUASSUNA: Mas pode ser bem orientado antes. Nesse caso específico, era o mesmo advogado para todas as pessoas que depuseram.

F. BADAN PALHARES: Vocês precisam conhecer essas pessoas...É uma pessoa simples, eu conversei muito com ele, não vejo a possibilidade dessa pessoa ter montado ou poder montar uma história. E nós temos que levar isso em consideração, quer dizer, a nossa experiência do dia-a-dia, do crime constante, de fazermos esse tipo de avaliação...Você tem que saber com quem você fala, se essas pessoas têm capacidade de te ocultar alguma coisa ou não.

VASCONCELO QUADROS: Os seguranças ocultaram, tanto que eles foram interrogados numa segunda ocasião.

F. BADAN PALHARES: Os seguranças que estavam na casa naquele dia em que os corpos foram encontrados não eram os mesmos que estavam na casa quando os fatos aconteceram efetivamente. Eles chegaram lá por volta das seis da manhã.

VASCONCELO QUADROS: Mas está dentro do horário mais ou menos previsto, não está? A troca de turma?

F. BADAN PALHARES: Está, entre cinco e sete horas...eles chegaram por volta de seis, seis e meia. Mas todos esses elementos têm que ser muito bem avaliados antes de fazermos um pré-julgamento.

VASCONCELO QUADROS: O senhor não considera uma falha, por exemplo, a polícia de Alagoas não ter requisitado as digitais e o exame de residuografia das mãos de todos os seguranças?

F. BADAN PALHARES: Sim, acho que foi uma falha pericial não ter pedido isso.

MATINAS SUZUKI: E quanto essa falha prejudica uma análise?

F. BADAN PALHARES: Depende do que você tenha como respaldo para poder avaliar o restante. Com o que existia, foi possível conseguir elementos. Isso acabou tendo um valor muito pequeno em relação ao restante do material analisado.

LUCIANO SUASSUNA: Pela distância que a Suzana teria atirado e pelo sangue dela que espirrou no lençol e no sutiã, não seria provável que houvesse marca de sangue no revólver dela?

F. BADAN PALHARES: Essa é uma questão que foi muito bem discutida também. Nós já tivemos vários casos de suicídios com características muito semelhantes a essa, em que também não encontramos respingos de sangue. Em outros, muito pelo contrário, chegamos a encontrar respingos de sangue dentro do próprio cano da arma. Então, o comportamento das reações do próprio corpo humano e do gotejamento de sangue não é tão matemático.

Essa golfada de sangue que aconteceu com ela, me parece que aconteceu num segundo momento, com ela já posicionada pela frente, quando disparou. Quando se segura a arma dessa forma, nós deixamos de ter a empunhadura normal que nos dá uma certa possibilidade de segurar o tranco do disparo. E nessa posição nós não temos condições de segurar, a arma foge realmente. Quando se dispara, o projétil sai para cá e a arma é jogada para lá. Isso facilitou a queda da arma exatamente por ela não estar segurando e não ter um pouco de apoio.
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MATINAS SUZUKI: Doutor Badan, é comum alguém se suicidar nessa posição?

F. BADAN PALHARES: É comum. Embora não esteja escrito com todas as letras nos livros de medicina legal de hoje, nós temos muitos casos com essas condições. Dificilmente nós vemos a mulher suicidar-se com tiro na cabeça, porque ela preserva muito a sua fisionomia.

PERCIVAL DE SOUZA: O senhor também tinha essas dúvidas que estamos colocando aqui?

F. BADAN PALHARES: Lógico que tinha! Sou uma pessoa do povo também e tenho as minhas dúvidas. E eu tenho que tirar as minhas dúvidas exatamente em cima de dados concretos. Antes de formular uma conclusão, eu tive que ter certeza. Somente depois de convencido é que eu assinei o documento.

MÔNICA TEIXEIRA: Por alguma razão, desde o começo eu achei que a Suzana Marcolino tinha matado o PC, e depois tinha se suicidado. Então, eu fiquei um pouco de fora de toda essa discussão de detalhes e fiquei observando o que esse caso está significando. É a medicina legal no Brasil!

Acho que nunca houve um momento em que um médico legista tivesse sobre ele tantos holofotes e nas mãos dele uma decisão sobre uma questão que apaixonou o Brasil: “O PC Farias morreu como?”. Quer dizer, o senhor concluiu, enfim, que ele morreu por crime passional.

Ninguém acredita e nem vai acreditar, e não adianta porque é uma questão na área da passionalidade, isso é uma opinião pessoal. Mas, observando, descobri que a medicina legal é um espaço onde há muita contestação interna. O senhor criticou agora há pouco o Instituto de Criminalística de São Paulo.

A revista Isto é publica uma página onde o senhor é criticado pelo doutor Nelson Massini. O senhor também foi criticado pelo presidente da Sociedade de Medicina Legal, que diz que o senhor não vai a um congresso científico há seis anos.

O George Sanguinetti claramente discorda do senhor e de uma série de outros peritos. E ainda tem mais um caso: o doutor França acaba de mostrar, há pouco tempo, que o laudo de Raimundo Asfora [vice-governador da Paraíba, morto em 1987], em que o senhor atestou suicídio, pode ter sido um homicídio.

Aliás, os procuradores da Paraíba estão, inclusive, querendo prender um suspeito, embora o senhor tenha afirmado, em 1987, que o Raimundo Asfora se suicidou. O que acontece entre os médicos legistas? Qual é a função de um médico legista e do Instituto de Criminalística?

E, se a discussão é tão grande, se as opiniões são tão adversas, por que o senhor diz que o seu laudo é muito mais que uma interpretação? O seu laudo é uma peça de um inquérito policial, do processo criminal. O juiz poderá ou não dar valor a ele!

F. BADAN PALHARES: Sem dúvida nenhuma. Eu acho que a função primordial do médico legista é ser um expert em assuntos que o juiz, promotor ou delegado não dominam. O magistrado se vale de um perito de áreas que ele realmente não domina para que possa dar suporte a uma decisão. Ele pode ou não ser convencido por um laudo do perito, o convencimento dele é independente do que nós escrevemos.

MÔNICA TEIXEIRA: Então, o fato do senhor ter dito que é um homicídio seguido de suicídio não quer dizer que...

JOSIAS DE SOUZA: 100% de certeza!

F. BADAN PALHARES: Isso é uma convicção dos peritos que fizeram esse laudo, não foi um perito só, fomos onze peritos que assinamos esse documento. Qual é a diferença de perito de local para o médico legista? O médico legista, até bem pouco tempo, era um médico que ficava na sala de necropsia ou no Instituto de Médico Legal para examinar corpo de delito, crimes sexuais, etc, e aqueles que ficavam no necrotério faziam só o exame do corpo, do cadáver.

Eu acho que a medicina legal é muito mais dinâmica do que isso, tem que ir para perinecroscopia [levantamento do cadáver, ambientes, condições do crime], o médico legista tem que conhecer o local de crime, discutir com o perito que faz o local. Isso nós estamos fazendo há mais de 15 anos em Campinas, junto com os peritos de lá. É isso que nós iluminamos em medicina legal moderna, dinâmica.

MÔNICA TEIXEIRA: Quer dizer, é função do médico legista dar tiro na casa de Guaxuma?

F. BADAN PALHARES: Mas não fui eu que dei...

MÔNICA TEIXEIRA: Mas isso não é uma tarefa do [Instituto de] Criminalística?

F. BADAN PALHARES: Eu estava junto com peritos...Lá nós estávamos numa equipe. Portanto, eles produziram os disparos e nós estivemos lá fora para perguntar quantos tiros tinham sido dados, nós simplesmente estávamos fazendo um trabalho...

MATINAS SUZUKI: [Interrompendo] À propósito dessa questão que a Mônica está colocando, um perito do Instituto de Criminalística de São Paulo, o Walter Alexandre, pergunta ao senhor: "Como o senhor se sente em relação ao Instituto de Criminalística do estado, fazendo atendimento no local de crimes, sendo que tem pouca experiência, já que é médico legista?"

F. BADAN PALHARES: Acabei de dizer aqui que faz 15 anos que eu faço isso com o pessoal de Campinas. Quando ele estiver com os peritos de Campinas verá como nós trabalhamos lá.

MÔNICA TEIXEIRA: Mas, afinal, onde está essa verdade que o senhor diz que é incontestável?

F. BADAN PALHARES: A verdade é incontestável na minha visão, dentro daquilo que eu faço. Eu estou convencido e por isso eu escrevo e assino. Os outros, por enquanto, não têm nenhum compromisso social, não estão assinando absolutamente nenhum laudo...

MÔNICA TEIXEIRA: Eles não estão falando especificamente deste caso.

F. BADAN PALHARES: Eles estão contestando algo que eles não conhecem, em princípio. Eles estão dando uma opinião.

MÔNICA TEIXEIRA: [interrompendo] Doutor Badan, o senhor vai me desculpar, mas não é isso que a revista Isto é está contando. Ela contou que, por exemplo, o presidente da Sociedade de Medicina Legal disse que há seis anos o senhor não vai a nenhum congresso científico...

F. BADAN PALHARES: [interrompendo] Eu não vou a congressos que ele tenha participado, tenho no meu currículo todos os congressos que tenho ido, inclusive internacionais.

MÔNICA TEIXEIRA: É um espaço de rivalidade, o que está acontecendo?

F. BADAN PALHARES: Não é rivalidade, é questão de formação de cada um.

JOSIAS DE SOUZA: Dizem que existem três versões para o mesmo fato: a sua, a minha e a verdadeira. O senhor não acha que a sua pode ser mais uma versão?

F. BADAN PALHARES: Não, é a minha versão...

JOSIAS DE SOUZA: Ela não comporta dúvidas?

MATINAS SUZUKI: Não existe nenhuma avaliação pública entre legistas, por exemplo, para se confrontar possíveis atos?

F. BADAN PALHARES: Acho que nós só podemos falar de um caso quando temos a mesma possibilidade de examinar todos os elementos. Seguramente, eles não têm esse mesmo tipo de visão que eu tenho, porque não tiveram acesso a esse material. Quando tiverem acesso, vão mudar de opinião.

F. BADAN PALHARES: [interrompendo] Eu queria dar uma outra resposta sobre o Raimundo Asfora...

LUCIANO SUASSUNA: Vamos voltar nele depois.

F. BADAN PALHARES: Não, eu prefiro dar essa resposta. Pelo que sei até agora, nosso laudo sobre o Raimundo Asfora não foi contestado. Se estão querendo prender alguém, espero que não se cometa uma nova injustiça como aconteceu aqui em São Paulo, de prenderem um pedreiro que não tinha estuprado a própria filha.

LUCIANO SUASSUNA: Primeiro, tenho uma questão que ficou sem resposta, que era da professora Maria Theresa Pacheco, da Universidade Federal da Bahia. Ela disse que os remédios que o senhor argumenta que teriam retardado a digestão do PC...

F. BADAN PALHARES: [interrompendo] Não, eu não disse isso! Meu laudo não apontou isso.

LUCIANO SUASSUNA: O que teria alterado a digestão?

F. BADAN PALHARES: Vários elementos, por exemplo, o álcool, que modifica a forma de agir do estômago. Além disso, ele tinha tomado um anti-ácido, devia estar com algum problema de digestão. Portanto, existem outros elementos que talvez a doutora Maria Theresa não conheça em sua totalidade, e é por isso que ela está optando por esse tipo de raciocínio.

LUCIANO SUASSUNA: Ela diz que nada disso alteraria a digestão e que tem material suficiente para fazer uma contra-perícia.

F. BADAN PALHARES: Eu acho que, se ela tem esse material, deve apresentar, porque isso enriquecerá o trabalho.

MÔNICA TEIXEIRA: Sobre o Asfora, deixe-me contar ao telespectador. Em 1987, o Raimundo Asfora, que era vice-governador da Paraíba, foi encontrado na sala de uma casa um pouco distante, em Campina Grande, numa posição que deixava dúvidas sobre se ele tinha sido assassinado ou se ele tinha se suicidado. E aí, o doutor Badan Palhares foi chamado lá.

LUCIANO SUASSUNA: Junto com Nelson Massini.

F. BADAN PALHARES: Foi um pouco diferente, não foi exatamente assim...

MÔNICA TEIXEIRA: O senhor foi chamado depois, é verdade!

F. BADAN PALHARES: Primeiro, foi feita a necropsia...A perícia local e os médicos legistas de lá constataram que tinha sido suicídio, com todos os elementos levantados. A família não se conformou com o resultado e contrataram um perito gaúcho, o doutor [Domingos] Toqueto, aliás, meu amigo pessoal, particular. Esse profissional emitiu um laudo, interpretando de forma diferente aquilo que os peritos de lá tinham encontrado.

JOSIAS DE SOUZA: Achava que era homicídio?

F. BADAN PALHARES: Ele entendeu que era homicídio. E somente depois disso é que nós fomos chamados para análise. Fizemos a exumação e, depois de todos os exames realizados, pudemos demonstrar realmente que tinha sido um suicídio. O próprio Toqueto não se manifestou em contrário. No entanto, depois levaram esse laudo para três ou quatro outros institutos, que não reformularam o laudo. O doutor Genival França se prontificou a rever o caso e está revendo, só que até agora não existe nenhuma definição em relação a isso. Contestar é fácil.

Nós precisamos ver como isso vai ser interpretado pelo juiz. Qualquer um pode contestar o trabalho de qualquer pessoa, é natural, o laudo que está lá pode ser contestado tranquilamente. O importante é que, quem vai contestar, que assine e assuma a responsabilidade sobre aquilo que está assinando. Falar simplesmente e não tomar nenhum compromisso é muito fácil.

MÔNICA TEIXEIRA: Por que o senhor aceitou esse caso, doutor Badan? Se o senhor não concluísse pelo duplo homicídio ou por uma teoria conspiratória qualquer, todo mundo duvidaria da sua palavra. É o que está acontecendo.

F. BADAN PALHARES: Eu gostaria exatamente de esclarecer o porquê de nós estarmos no caso. A Universidade Estadual de Campinas é solicitada, através de autoridades. Nunca fizemos e não faremos, pelo menos enquanto eu estiver trabalhando, nenhum trabalho particular. Isso é uma filosofia do departamento.

Nós só atendemos às solicitações oficiais, que devem vir do delegado, do Ministério Público, do promotor de Justiça, do juiz ou de ministros, etc. Esse caso foi uma solicitação do ministro e do governador de Alagoas ao reitor da universidade, perguntando se o departamento poderia auxiliar. Então, nós impusemos algumas condições, pois era necessário que uma equipe estivesse presente e não uma única pessoa. Essas condições foram atendidas e pudemos dar o melhor.

HERÓDOTO BARBEIRO: Doutor Badan, aquela foto publicada, do tambor do revólver, é a que consta do relatório? É a mesma fotografia?

F. BADAN PALHARES: É uma foto que consta do relatório.

HERÓDOTO BARBEIRO: É a mesma? Aquilo vazou do relatório para a revista?

F. BADAN PALHARES: É idêntica.

HERÓDOTO BARBEIRO: Algumas pessoas disseram que fizeram uma ampliação da foto publicada na revista Veja e que o impacto da agulha na cápsula são diferentes de uma bala para outra.

F. BADAN PALHARES: São mesmo.

HERÓDOTO BARBEIRO: O senhor reconhece isso?

F. BADAN PALHARES: Reconheço isso.

HERÓDOTO BARBEIRO: O que poderia levar as pessoas até a acreditarem que não foi a mesma arma que disparou?

F. BADAN PALHARES: Não, isso já foi determinado, a prova de balística mostrou que os dois projéteis saíram da mesma arma. Você pode, ao acionar o gatilho, modificar o impacto.

MATINAS SUZUKI: Uma das perguntas que eu recebi aqui foi de um estudante de jornalismo em São Paulo. Como o senhor acha que a imprensa se comportou nesse caso?

MATINAS SUZUKI: Eu sempre tive uma boa relação, uma ótima relação com a imprensa e, nesse caso, não foi diferente. O único momento que me deixou um pouco chateado foi o momento em que a revista Veja publicou aquele artigo, não pela forma de ela ter conseguido um furo de reportagem, mas pela maneira como o colega colocou, o meu perfil dentro da matéria, dando a entender a quem lesse que eu tinha sido fornecedor de todas aquelas informações. Isso realmente me deixou um pouco constrangido, porque eu sempre atendi a todos os repórteres, a todas as pessoas da imprensa com a maior afetividade, com maior carinho.

MATINAS SUZUKI: Agora, o que o senhor acha da imprensa ficar trabalhando com hipóteses?

MATINAS SUZUKI: Eu acho que, às vezes, até ajuda, porque eles levantam questões que você não tinha pensado.

MATINAS SUZUKI: Não é o que pensa, por exemplo, o irmão do PC Farias, Augusto Farias.

F. BADAN PALHARES: É uma questão pessoal, não tenho nenhum tipo de problema com a imprensa. Tenho tido um comportamento extremamente claro e transparente. Eu só gosto de ser respeitado como eu respeito as pessoas. Quando solicitei à imprensa que respeitasse o trabalho, de não poderem fornecer nenhuma informação durante o período em que eu estava trabalhando, fui muito bem recebido.

PERCIVAL DE SOUZA: Doutor Badan, o Arnaldo Siqueira, que dirigiu o IML [Instituto Médico Legal] de São Paulo, dizia que a melhor testemunha de um homicídio é a vítima. Então, eu queria saber se, para o seu trabalho, o mais importante foi a exumação dos corpos de PC e Suzana ou o trabalho lá na casa de Guaxuma. Ou os dois se completam?

F. BADAN PALHARES: Eu acho que ali há uma complementação. Primeiro, fui à Guaxuma, conheci o local, estava junto com os peritos, discutindo e formando um protocolo de atuação em cima dos cadáveres.

JOSIAS DE SOUZA: Como o senhor avalia o trabalho que foi feito antes da sua chegada em Alagoas pelos peritos locais? Eles sofreram muitas críticas...O senhor acha que a queima do colchão é ou não é uma violação da cena do crime?

MATINAS SUZUKI: Doutor Badan, tem muita gente mandando fax aqui dizendo que o senhor criticou o trabalho do pessoal de Alagoas, mas levou quarenta dias para chegar à conclusão que eles chegaram em duas horas.

F. BADAN PALHARES: Mas é verdade! Bom, uma coisa é você ter um resultado em cima de suposições imediatas...Aliás, dentro da rotina pericial, esse caso seria facilmente resolvido se não fosse o PC. Só que, quando nós passamos a integrar a equipe, nós tínhamos que trazer um resultado que pudesse demonstrar o que estávamos fazendo. Daí então as dificuldades, a necessidade de se armar uma infinidade de exames para poder documentar, trazer mais informação.

JOSIAS DE SOUZA: O trabalho da polícia de Alagoas, dos peritos e dos técnicos alagoanos foi bem feito?

F. BADAN PALHARES: Fizeram um trabalho suficiente para que nós precisássemos fazer muitas coisas.

JOSIAS DE SOUZA: Então foi bem feito?

F. BADAN PALHARES: Foi.

JOSIAS DE SOUZA: Segundo, a queima do colchão é ou não é uma violação da cena do crime?

F. BADAN PALHARES: Se nós levarmos em conta o aspecto pericial, é. No entanto, nesse caso, pelas explicações que os peritos me forneceram, me convenci que não havia mais o que fazer, porque eles documentaram todo o material, fotografaram. No terceiro dia pós-fato acontecido, aquilo já estava com um mau cheiro insuportável, não se conseguia trabalhar mais na casa.

Então eles permitiram que isso fosse queimado, não existia mais nada que pudesse realmente ser tirado daquilo. É importante que se guarde? Eu acho. Eles erraram? Sim, poderiam ter preservado aquilo, ter guardado em algum lugar para qualquer necessidade de examinar ou reexaminar.

JOSIAS DE SOUZA: Fez falta ao senhor o colchão?

F. BADAN PALHARES: Não fez.

[...]: O senhor partilha dessa teoria de que os corpos falam?

F. BADAN PALHARES: Eu partilho, eu partilho. Acho que o corpo deixa marcas que, se o perito souber interpretar, ele consegue realmente decifrar o mistério.

JOSIAS DE SOUZA: O senhor sofreu ameaças de morte logo que foi convidado para entrar no caso?
F. BADAN PALHARES: Não, não.

JOSIAS DE SOUZA: Chegou a ser noticiado. No dia primeiro de julho, O Globo publicou que o senhor tinha pedido garantia de vida à polícia.

F. BADAN PALHARES: Não, eu não pedi garantia de vida. Eu nunca fui ameaçado, quero já deixar muito claro, nunca sofri qualquer tipo de ameaça. Só tive um incidente com um jornalista de Campinas, que me procurava em casa e no trabalho, mas só isso.

MÔNICA TEIXEIRA: O programa está acabando, eu queria saber uma coisa: o senhor afinal descobriu quem vazou o laudo para a revista Veja?

F. BADAN PALHARES: Eu só falo quando eu tenho provas.

MATINAS SUZUKI: O senhor vai fazer uma perícia!

[risos]

F. BADAN PALHARES: Será que vale a pena fazer essa perícia? Eu tenho quase certeza de quem é, mas não posso provar.
MATINAS SUZUKI: Vou aproveitar o finalzinho do programa para fazer algumas perguntas que vieram de casa para o senhor. O senhor fez a perícia no ET de Varginha? Existe ou não o ET de Varginha?

F. BADAN PALHARES: Não, não tem nada disso não.

MATINAS SUZUKI: Por enquanto, o senhor ainda consegue provar como as pessoas morreram, mas se existe vida em outros lugares, está mais difícil! A Márcia Correia, de Campinas, diz que o senhor tem aparecido nos programas políticos do PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira], fazendo campanha para a candidata do partido em Campinas. O senhor pretende entrar na política depois de toda essa publicidade em torno do seu nome?

O Eduardo Nerjes, que é da Unicamp: "O senhor pretende assumir a Secretaria de Saúde de Campinas, caso a candidata [à prefeitura] Célia Leão seja eleita?".

F. BADAN PALHARES: Eu nunca fui político, nunca pertenci a nenhum partido político, a Célia Leão é uma amiga fraterna, é uma pessoa que eu conheço há muitos anos, conheci o seu pai, conheci a Célia quando ela sofreu o acidente em que ficou paraplégica. Quando ela me pediu ajuda, eu aceitei, mas não pretendo ser secretário de Saúde. Não serei político.

LUCIANO SUASSUNA: Quando o senhor começou a descartar todas as hipóteses de homicídio, o senhor chegou a analisar se seria possível a Suzana ter sido encontrada naquela posição se, no lugar dela ter disparado, fosse uma terceira pessoa?

F. BADAN PALHARES: Contra ela?

LUCIANO SUASSUNA: Contra ela. A trajetória da bala, a posição da cama, tudo seria coerente?

F. BADAN PALHARES: Essa pessoa, para poder ter disparado, teria que estar na trajetória do projétil, e a trajetória do projétil é uma trajetória difícil de alguém ter estado ali.

LUCIANO SUASSUNA: Difícil, mas não impossível.

F. BADAN PALHARES: Sob o aspecto pericial, seria muito difícil alguém estar ali, praticamente impossível, na trajetória daquele projétil que atingiu Suzana.

MATINAS SUZUKI: O Gilberto Molina, do Rio de Janeiro, quer saber qual a razão da demora na identificação de militantes políticos sepultados em Perus. Ele diz que os exames de DNA de seu irmão já foram iniciados em agosto de 1995 e até agora, não saiu nenhum resultado.

F. BADAN PALHARES: É uma grande realidade. Nós temos lá não mais 1049, mas 1043 ossadas que estão sendo analisadas. Elas não estão paradas, existe a possibilidade muito remota de três ou quatro ainda serem identificadas. E uma dessas possibilidades é a dele. Até o ano passado, não tínhamos manifestado nenhuma possibilidade de entregar qualquer um desses resultados. Fizemos em relação a ele porque existe uma chance de existir compatibilidade, mandamos isso para um colega que está nos auxiliando em Belo Horizonte, só que os resultados não ficaram prontos ainda.

HERÓDITO BARBEIRO: O senhor não foi afastado disso?

F. BADAN PALHARES: Como?

HERÓDITO BARBEIRO: A revista diz aqui que o senhor foi afastado.

F. BADAN PALHARES: Essa revista está dando também uma inverdade. Eu não estou afastado, não é verdade isso.

LUCIANO SUASSUNA: Perfeito, mas são peritos que contestam o senhor aqui.

F. BADAN PALHARES: Não, é inverdade que eu fui afastado. Eu não fui afastado. Eu sou coordenador das perícias das ossadas de Perus. Em função de um processo que está acontecendo na universidade, pedi o meu afastamento temporário para poder cuidar de outras situações. Ainda sou o coordenador responsável.

LUCIANO SUASSUNA: Toda essa perícia se desenrola há sete anos?

F. BADAN PALHARES: Desde 1990, são uns seis anos. Não temos ainda, como peritos, condições de poder dizer aquilo que as pessoas gostariam de ouvir, eu só posso me manifestar quando eu tiver condições de poder afirmar, mesmo que existam forças que tentem mostrar o inverso disso. Não posso me deixar ser influenciado por qualquer tipo de pressão política, seja lá de quem for.

MATINAS SUZUKI: Antes de terminar, queria ler duas manifestações dos nossos telespectadores. O Cláudio Melo diz o seguinte:

“Eu acredito em duendes e em Badan Palhares”. E o Marcelo Pontes de Carvalho dá parabéns ao senhor: "Mesmo chegando depois ao local com tudo limpo e os defeitos que a perícia local acabou acarretando para a sua investigação, o senhor conseguiu esclarecer e passar tudo a limpo, o senhor é uma sumidade". Badan Palhares, muito obrigado pela sua presença no nosso programa.

Gostaria de agradecer também a nossa bancada de entrevistadores, sua atenção e participação. O Roda Viva volta na próxima segunda-feira, às dez e meia da noite. Até lá, uma boa noite para todos e uma boa semana.

http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/628/entrevistados/badan_palhares_1996.htm