domingo, 2 de maio de 2010

Supremo garante: réu só cumpre pena depois do último recurso -II

O artigo 312 do Código de Processo Penal aponta os requisitos que fundamentam a prisão preventiva —os mesmos que permitem a detenção no correr das ações em primeira e em segunda instâncias—: garantir a ordem pública (impedir que o réu continue praticando crimes); conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testemunhas ou destruindo provas) e assegurar a aplicação da lei penal (impossibilitar a fuga do réu, garantindo que a pena imposta pela sentença seja cumprida).

Para uns, o direito de defesa e as instituições do Judiciário foram reforçadas, com a reafirmação de que os acusados e os responsáveis pela acusação, processo e julgamento devem seguir as regras jurídicas. Além disso, evita-se prisões antecipadas e injustas, de condenações que podem ser revertidas nas instâncias superiores.

Para outros, porém, a decisão significou um retrocesso por aumentar o sentimento de impunidade e beneficiar condenados com capacidade, especialmente financeira, de prolongar os processos com infinitos recursos nos tribunais superiores. E por, na teoria, ser a senha para uma avalanche de pedidos de habeas corpus —que aumentariam a carga do Judiciário.

Em meio à polêmica, algumas perguntas ficaram no ar, ainda sem respostas definitivas. A primeira delas é se a jurisdição criminal em resposta aos delitos continuará eficaz, já que é necessário percorrer todas as instâncias do Judiciário para que uma sentença seja cumprida. A segunda é se as decisões de primeira e segunda instâncias têm validade real ou serão apenas “letra morta”. Outra questão é se todas as ações penais terão que ser julgadas pela Suprema Corte.

A decisão
A decisão, aplicada a um processo específico, se tornou referência para pedidos de habeas corpus e em decisões do próprio Supremo em casos semelhantes.

O tema foi discutido no habeas corpus de Omar Coelho Vitor contra decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça). O réu, condenado por tentativa de homicídio em Minas Gerais, pedia a suspensão da execução de sua pena, ou seja, que ele não fosse preso até esgotarem todos os recursos possíveis contra sua condenação. Por sete votos a quatro, o habeas corpus foi concedido.

Classificado como histórico por alguns ministros, o julgamento foi marcado por discussões. Joaquim Barbosa afirmou que o Supremo teria que assumir o ônus político da decisão. “Queremos um sistema penal eficiente ou um sistema de faz-de-conta?”, questionou Barbosa, afirmando ainda não existir nenhum país no mundo que ofereça as “imensas e inigualáveis” opções de proteção como o Brasil.

Para o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, o sistema penal e carcerário vive um "mundo de horrores" que, muitas vezes com a conivência do Judiciário e do Ministério Público, permite atrocidades. Ele citou o caso de um suspeito preso por três anos sem que o MP oferecesse denúncia.

Carlos Ayres Britto, ao concordar com a concessão do habeas corpus, afirmou que a prisão sem a condenação final causa abalo psíquico, desprestígio familiar e social e desqualificação profissional, danos tão graves quanto irreparáveis.

"Um homem não pode ser chamado de culpado até a condenação em definitivo. Isso seria uma ofensa às garantias constitucionais. A dignidade da pessoa humana deve ser mantida", complementou Cezar Peluso. "Até uma criança é capaz de se rebelar contra uma decisão injusta. Sem juízo definitivo de culpa, uma decisão é tudo, menos legal e justa", disse o vice-presidente do Supremo. Para a maioria dos ministros, a decisão foi fundamental para que não ocorram erros e situações irreversíveis com a conivência do Judiciário.

A discórdia foi encabeçada pelo ministro Joaquim Barbosa. Para ele, não se deveria fazer “letra morta” das decisões das instâncias ordinárias, sob o risco de que todas as ações penais tenham que ser julgadas pela Suprema Corte. “Adotar a tese de que o réu possa recorrer em liberdade causará um estado de impunidade e aumentará a sobrecarga do Judiciário e do Supremo”, disse o ministro.

Ele ainda destacou que a decisão do Supremo serviria especialmente para aqueles que dispõem de defensores que tenham como “único objetivo” utilizar o maior número de recursos possíveis, levando casos à prescrição sem que se tenha condenação final.

Ellen Gracie afirmou que a tese de que só o trânsito em julgado levaria o réu à prisão poderia fazer com que ninguém fosse preso no Brasil.