A segunda morte de PC - Novas provas comprometem versão da polícia para assassinato do empresário e lançam dúvidas sobre ação da família no caso. 10/07/1996. Exumação dos corpos em Maceió: investigação indica novo horário, local e posição para a morte de PC FariasUma semana depois de ISTOÉ relatar que Suzana Marcolina não se suicidou, mas foi assassinada por um dos seguranças de Paulo César Farias, novas conclusões das investigações provocaram mais uma espetacular reviravolta.
É certo que PC não morreu às 4h da madrugada do domingo 23, como registrou a primeira versão da polícia alagoana para o crime, nem, possivelmente, entre 7h e 9h, de acordo com a correção feita na segunda versão. O empresário também não recebeu o tiro de barriga para cima, conforme aparece nas fotografias do Instituto Médico Legal (IML) de Alagoas. E o mais bombástico:
PC não estava em seu quarto quando foi assassinado. Segundo reportagem de Joel Santos Guimarães, publicada no jornal O Globo de sábado 6, um vizinho do empresário em Guaxuma viu o corpo sendo carregado da praia para a casa na manhã do domingo. Às 8h, muito tempo antes que a morte de PC tivesse se tornado pública, ele falou com colegas radioamadores de Pernambuco e Bahia. "PC morreu na praia, PC morreu na praia", transmitiu. "Ele disse que haviam matado PC Farias", confirmou na reportagem o radioamador Madson Costa, 66 anos, que mora em Itabuna (BA). "Eu não estava conversando, mas estava ouvindo." Segundo ele, o responsável pela notícia declarou que mora a 700 metros da casa de PC e que havia feito cooper na praia pela manhã.
O testemunho do homem que viu PC sendo arrastado da praia amplia consideravelmente as hipóteses sobre a verdadeira história da morte do empresário. "Está praticamente certo que Suzana matou PC e depois foi morta", disse ao editor Andrei Meireles, de ISTOÉ, uma autoridade que acompanha de perto as investigações paralelas determinadas pelo Ministério da Justiça. Desmascarada a farsa da versão do homicídio seguido de suicídio, a questão agora, portanto, é como morreu PC.
O exame das vísceras do casal morto, cujo laudo foi concluído na sexta-feira 5, revelou a existência de pedaços inteiros de camarões e arroz no aparelho digestivo do empresário. Isso significa que ele pode ter sido morto logo depois do jantar, por volta de 1h30 da madrugada do domingo 23. Neste caso, quem carregou o corpo de PC pela praia estaria há quase sete horas sem saber exatamente o que fazer com o cadáver.
E só estas pessoas podem dizer o que lhes passava pela cabeça quando o levaram para a praia. Se PC morreu mesmo à 1h30, resta saber de quem seria a voz que se ouve no telefonema de Suzana para o dentista Fernando Colleone, às 3h48 do domingo. A pessoa pede para ela se arrumar.
A outra possibilidade é de que PC acordou com fome, quando o sol estava raiando, e beliscou camarões com arroz. Nesta hipótese, tanto poderia ter sido morto dentro da casa quanto na praia, caso tivesse decidido passear perto do mar. Segundo O Globo, a montagem da cena do suicídio teria sido feita pelo deputado Augusto Farias (PPB-AL), irmão do empresário, e pelo secretário de Justiça de Alagoas, Rubens Quintela. Ambos negaram a informação.
Feito por uma das maiores autoridades do País em medicina legal, Maria Teresa Pacheco, diretora do Departamento de Polícia Técnica do IML baiano, o exame das vísceras trouxe à luz outra informação nova: Suzana estava sem nenhum vestígio de alimentos em seu estômago.
"Ou ela não jantou, o que altera completamente a primeira versão sobre o crime, ou ela foi morta pelo menos seis horas depois de PC, tempo mínimo para a digestão", disse a Marco Damiani, de ISTOÉ, uma fonte que teve acesso às conclusões do exame. Nessa segunda hipótese, Suzana teria levado seis horas para se arrepender do assassinato e decidir se matar. Em Salvador, Maria Teresa Pacheco não divulgou o laudo, que foi enviado num envelope lacrado para a polícia de Alagoas.
Mas, com uma frase, ela registrou a importância de suas descobertas. "O conteúdo do laudo pode mudar o rumo das investigações", garantiu.
As surpreendentes descobertas podem até não mudar a linha de investigação do delegado Cícero Torres, responsável pelo inquérito que apura a morte de PC e Suzana. Mas alteraram profundamente o comportamento de Augusto Farias, última pessoa da família a ver PC com vida e a primeira a encontrá-lo morto, como ele mesmo declarou.
Na sexta-feira 5, o deputado tentou agredir o fotógrafo Wanderley Pozzebon, do Correio Braziliense. Foi contido por seu advogado. No final da tarde, protegido por 20 policiais armados com metralhadoras e fuzis e vestidos com coletes à prova de balas, Augusto Farias finalmente depôs no inquérito. O encontro com o delegado Cícero Torres durou duas horas e o deputado manteve a declaração de que saíra de Guaxuma depois do jantar e só voltou ao local por volta do meio-dia do domingo 23.
As mudanças no curso das investigações, apesar dos esforços da polícia de Alagoas para encerrar rapidamente o caso, com a conclusão de que houve homicídio seguido de suicídio, já vinham se procedendo ao longo da semana. Entre o domingo 30 e a quarta-feira 3, o perito Fortunato Badan Palhares, o mesmo que identificou a ossada do carrasco nazista Josef Mengele, trabalhou em Maceió com sua equipe da Universidade de Campinas. De saída, desmascarou uma das primeiras mentiras contadas pelos seguranças de PC sobre o caso.
Segundo eles, ninguém na casa de Guaxuma conseguiu ouvir o barulho dos tiros que mataram o empresário e sua namorada. Na segunda-feira 1º, Palhares voltou à cena do crime e fez dois disparos de revólver dentro do quarto de PC, com as janelas e portas fechadas. Os estampidos foram ouvidos por cerca de 20 jornalistas que estavam do lado de fora da casa, além dos portões que a cercam.
Conclusão: na noite do crime, os seguranças, que se encontravam mais próximos da casa, no lado interno da propriedade, só não teriam escutado perfeitamente o barulho dos tiros se estivessem com tampões nos ouvidos. Palhares também descobriu que o tiro que matou PC foi desferido da direita para a esquerda, e não o contrário, como anunciou a primeira versão da polícia alagoana. Dessa forma, comprovou-se que, se realmente morreu na cama, PC estava deitado de lado e não de barriga para cima. No dia seguinte a sua visita ao local do crime, Palhares dirigiu suas atenções para o cemitério onde PC e Suzana estavam enterrados.
Sob suas ordens, os corpos foram resgatados das covas para exumação. Após os exames, Palhares afirmou ter descoberto "fatos novos que podem alterar o rumo das investigações". Ao mesmo tempo que os peritos da Unicamp realizavam em Maceió o trabalho técnico que a polícia local se mostrou incapaz de fazer, desembarcava na capital de Alagoas o delegado Pedro Berwanger, da Polícia Federal. Apelidado entre seus colegas de "cão farejador", pela capacidade de resolver casos intrincados, ele optou por dar declarações evasivas durante sua passagem por Maceió.
Enquanto as possibilidades sobre como, quando, onde e por que PC morreu se multiplicavam em razão das novas descobertas das investigações, ficava cada vez mais difícil para a polícia de Alagoas encontrar provas para justificar a certeza enraizada em toda a sua cúpula - a de que Suzana se matou após atirar em PC. Neste campo, o melhor que o delegado Cícero Torres conseguiu foi um depoimento, na sexta-feira 5, do jardineiro Leonino Tenório, que trabalha na casa de Guaxuma. Segundo ele, Suzana teria tentado se matar duas semanas antes de morrer, lançando-se bêbada ao mar.
Na outra direção, a que aponta para a execução de Suzana, como apurou a reportagem de ISTOÉ sobre o caso, inclinam-se pelo menos três peritos. Para justificar a tese do suicídio, a polícia divulgou na segunda-feira 24, um dia após o crime, que Suzana teria disparado contra o próprio peito, com o revólver encostado à pele. O tiro perfurara seu pulmão esquerdo e saíra pelas costas, praticamente em linha reta.
Já na quarta-feira 26, o perito George Sanguinetti contestou a afirmação, defendendo que a trajetória da bala era impossível de ser realizada, a não ser que Suzana estivesse de joelhos sobre a cama e, ainda assim, que a bala tivesse sido desviada dentro do corpo dela. Segundo Sanguinetti, o tiro entrou de cima para baixo, da direita para a esquerda e saiu pelas costas, entre a quarta e quinta vértebras esquerda.
No domingo 30, o professor Nelson Massini, fundador do Departamento de Medicina Legal da Unicamp e antigo companheiro de Badan Palhares, afirmou considerar "praticamente impossível" que Suzana tenha se matado da maneira descrita pela polícia de Alagoas. Na terça-feira 2, o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Legal, Anelino Resende, acrescentou que "cientificamente não há elementos para concluir pelo suicídio de Suzana".
Uma autoridade que acompanha a investigação paralela da PF, em Brasília, afirmou a ISTOÉ que Berwanger e Palhares devem chegar a uma conclusão comum, num relatório a ser emitido até o final desta semana: Suzana foi assassinada depois de matar PC.
A presença da Polícia Federal em Maceió é fundamental para a elucidação do caso. Na verdade, a polícia alagoana, ao longo das investigações sobre a morte de PC e Suzana, se transformou no principal obstáculo para o surgimento da verdade sobre o que ocorreu na casa de praia entre a noite do sábado 22 e a manhã do domingo 23. Por exemplo: o delegado Torres precisou de 12 dias para ouvir o deputado Augusto Farias, mas já ouviu três vezes uma prima de Suzana, Zélia Maciel, que nunca esteve presente no local do crime e se especializou em fazer declarações à imprensa para, em seguida, desmentir-se a si mesma.
Quando se depara com uma história como a do jardineiro, que disse ter ouvido de um segurança que, há dois meses, Suzana entrara embriagada no mar de Guaxuma declarando que queria se afogar, o delegado vai para as câmeras de tevê dizer que isto confirma sua versão de suicídio. Mas, quando encara uma perícia de verdade como a que comprovou que os seguranças teriam de ouvir os tiros, Torres se sai com esta: "Isto é irrelevante."
Nada foi feito pela polícia, por outro lado, em relação a Cláudia Dantas, que surgiu no noticiário como pretendente a namorada de PC - e, portanto, personagem importante para a compreensão dos motivos que levaram ao crime. Além de Augusto, outras pessoas que chegaram na casa de Guaxuma antes da polícia, como o secretário de Justiça de Alagoas, Rubens Quintela, não foram convocados para depor até o último final de semana.
Também não foram intimados os últimos que tiveram contato com PC e Suzana, como a namorada de Augusto, Milani Valente de Melo. "Saímos da casa da praia por volta de 1h30 e dormimos no apartamento do Augusto", disse Milani à imprensa. "Por volta das 10h saímos para o interior, quando recebemos o telefonema do Reynaldo contando o crime." ISTOÉ entrevistou o porteiro do edifício Tartana, onde mora Augusto Farias.
Ele confirmou que o deputado chegou a seu apartamento na madrugada do domingo 23. Mas ninguém no prédio o viu sair na hora alegada. Tantos erros têm seu preço. "Do jeito que está, esse inquérito não poderá ser aceito pelo Ministério Público", disse a ISTOÉ o procurador-geral do Estado de Alagoas, Dilmar Lopes Camerino. "Não estamos convencidos do crime passional e vamos investigar todas as hipóteses, queira ou não a polícia", garante.
Em mais uma prova de leniência de seus quadros, nenhum dos empregados que vigiavam a casa foi submetido a exame residuográfico, aquele que mostra se alguém fez ou não algum disparo de arma de fogo. Apenas os corpos de PC e Suzana foram submetidos ao exame. Além do baixo empenho em ouvir pessoas diretamente interessadas na vida e na morte de PC, a perícia policial permitiu a destruição de provas na cena do crime, como a queima do colchão e dos lençóis da cama de PC.
Pior: nada do que está sendo tornado público foi oficializado em laudos técnicos. Tudo é feito "de boca", com declarações dadas num dia e reformadas no outro, ao sabor do noticiário da imprensa. Saber se o cenário do crime foi ou não adulterado também é uma indagação que não tem o menor sentido para os responsáveis pelo inquérito.
Enquanto o delegado Torres se satisfaz com depoimentos que mais escondem do que esclarecem, o Ministério Público lentamente começa suas investigações, tendo em mãos um rastreamento feito nos 11 telefones usados por aqueles que estiveram na casa na véspera do crime. Trata-se de um calhamaço de 300 páginas, com mais de duas mil ligações e 600 interlocutores diferentes.