Foi sancionada nesta última quarta-feira (5/5) a Lei 12.234/2010, a qual altera os artigos 109 e 110 do Código Penal, tangem ao tema da prescrição, entrando em vigor a partir da data de sua publicação, a qual ocorreu ontem, ou seja, dia 06. Duas são as modificações da nova lei: a primeira refere-se a um aumento do prazo mínimo da prescrição, que era de dois (2) anos e passou agora para três (3).
A outra alteração diz respeito à chamada prescrição retroativa que, segundo alguns juízos apressados, teria deixado de existir com a nova redação. Quando o projeto de lei veio à luz em 2003 sob nº 1383, para alterar o referido instituto prescricional, falou-se que seria o fim da impunidade pelo decurso do tempo, que seria a “moralização” do direito penal e expressões quejandas de mesmo efeito retórico e demagógico.
A redação original era tão esdrúxula que criava uma espécie de “suspensão” de toda a prescrição durante o decorrer do processo criminal. Recebeu, então, diversos substitutivos, os quais, como descreve o parecer do relator da Comissão de Constituição e Justiça, foram sintetizados num “acordo político”, para se dar a redação com a qual a atual lei se apresenta. Foram quase sete (7) anos de discussão no Congresso para se chegar a uma redação morna. Faltou coragem? Sim, faltou coragem!
E isto porque o projeto se fundamentava numa gigantesca inverdade: a de que o acusado provoca o atraso da Justiça, amparado por seu advogado, mas claro, desde que tenha recursos para custear bons advogados. Mais uma vez a justificativa da impunidade recai sobre a sempre alegada chicana dos causídicos penalistas.
São eles os que, mediante sutilezas e ardis forenses atrasam todo o andamento do processo. E são alimentados pelos acusados, todos cafajestes, criminosos habituais, desalmados e crudelíssimos. Não existem pessoas inocentes acusadas de crime em nosso país, todos que sofrem um processo são criminosos e livram-se por força de corromperem o mecanismo judiciário eficientíssimo.
A primeira coisa que precisa ser esclarecida é que o direito penal é feito para o cidadão acusado de crime! Qualquer cidadão, inclusive aquele que comete um erro eventual em sua vida e responde por isso. O direito penal não tem caráter “moralizante”, ele defende os verdadeiros valores sociais.
E o primeiro deles é o da justiça social. Este implica na aplicação de uma justiça equânime, real, célere e, simultaneamente, ponderada. Sim, a Justiça tem de saber combinar prudência e celeridade. Uma Justiça que arrasta seus processos não é justa.
Porém, culpar o acusado e seu defensor pelas mazelas de um processo demorado é o maior absurdo de todos.
Mas, como se vê das discussões de nossa eminente casa legislativa, o tempo é um fator que beneficia o réu e que tem de ser combatido. Não é a morosidade do Judiciário o real problema, mas a figura do acusado. Maravilhoso pensamento, bastante coerente com o moderno direito penal alemão – várias vezes citado nas discussões do Congresso. Afinal, só no Brasil existe prescrição retroativa!
Se os congressistas se debruçassem sobre a realidade penal, nós não seríamos obrigados a conviver com tantas baboseiras. O direito penal alemão trabalha numa dimensão totalmente diferente da nossa. Buscam a construção das condutas criminosas visando o sentido e a finalidade da pena. Nós tupiniquins ainda temos que ouvir que a sanção penal é a efetividade da punição. Direito penal é instrumento de vingança e serve para punir.
Não se vê que o peso do processo já é uma punição em si. A pena, quando aplicada eficientemente, deve funcionar como mecanismo de ressocialização, para prevenir a criminalidade. E o caminhar do processo deve ter razoável duração, como determina a própria carta constitucional. Para isto, o Judiciário não pode ser moroso. Para isto, há que se abandonar perspectivas burocrático-formais de movimentação processual. Há que se ter uma Justiça que ande.
A prescrição – incluindo-se principalmente a prescrição retroativa, que não deixou de existir, apenas perdeu parte de sua possibilidade de contagem de prazo – serve para chamar a atenção para o grave problema da lentidão judicial. Prescrevem os processos que não foram conduzidos adequadamente, aqueles em que a justiça não se fez Justiça.
Aqueles em que acusados que não tinham dinheiro para pagar bons advogados, nem conhecimento para entender a complexidade do mecanismo acusatório, venciam pelo decurso do tempo, suportando a carga e a pecha de réus, numa situação ao longo dos anos em que, muitas vezes, nem sequer entendiam porque a tinham de enfrentar.