sábado, 1 de maio de 2010

Cembranelli pede absolvição de réu na volta aos tribunais




Em primeiro júri após julgamento do caso Isabella, promotor diz não haver provas

O advogado Almir Ferreira Cruz e sua colega Floraci Melo Machado estudaram com dedicação o processo número 613/01 da Justiça do município de São Paulo.

Na tarde da última segunda-feira (20), no Fórum de Santana, zona norte da cidade, os dois foram com munições retóricas e técnicas acumuladas para defender bem o estudante Márcio Vanny de Almeida, acusado de tentar matar o policial militar Marcos Eduardo Pinheiro com um revólver calibre 38, na tarde de 30 de março de 2001.

Mas a dupla não precisou exibir todo esse repertório: o promotor, primeiro a falar para os sete jurados, pediu a absolvição do réu pela impossibilidade de provar que a tentativa de assassinato realmente ocorrera.

Ao final de exatas duas horas de julgamento, Ferreira Cruz foi sincero.
- Estávamos preparados. Fiz outros tribunais com o doutor. Agora, é claro que, neste momento de reconhecimento do trabalho do promotor, fruto merecido de sua trajetória brilhante e, sobretudo, de seu último trabalho, seria duro enfrentá-lo caso sua tese fosse contrária à nossa.

Sim: o “doutor” promotor é ele mesmo. Cembranelli. Francisco José Taddei Cembranelli. Vinte e três dias depois da madrugada do último dia 27 de março, quando deixou o Fórum de Santana aclamado como herói nacional por seu papel decisivo na condenação do casal Nardoni pelo assassinato da menina Isabella, o promotor de fala cadenciada, gestos polidos e rotina austera estava de volta à mesma casa. Com a longa e folgada toga lavada e passada para encarar o 1.079º julgamento de sua carreira.

Tudo chamava atenção para o contraste em relação ao último tribunal do promotor: o caso bem mais simples, a disposição de Cembranelli de ajudar a absolver em vez de contribuir para condenar e, claro, os treze gatos pingados (quatro estudantes de Direito, dois advogados, seis familiares do réu e este jornalista) espalhados pela plateia de 60 poltronas. E também um ar condicionado que, por tudo isso, dava conta do recado.

O caso é o seguinte: às 14h40 daquele 30 de março de 2001, o réu Marcio Vanny de Almeida foi abordado por dois policiais militares na altura do número 1.700 da Rua Ataliba Leonel, em Santana, zona norte de São Paulo, enquanto se preparava, com um amigo, para fazer uma “saidinha de banco”, ou seja, assaltar quem sai de alguma agência bancária com dinheiro.

Ao verem os policiais, os dois fugiram. O parceiro, de moto. Márcio, correndo “em desabalada carreira”, como enfatiza a vítima no processo.

O policial Marcos Pinheiro e seu colega saíram atrás de Márcio e o prenderam. Na delegacia, Pinheiro contou ao delegado que o réu teria sacado seu 38 com numeração raspada e tentado atirar contra ele, mas a arma teria falhado.

Na letra da lei, o delegado, com o que tinha na ocasião, prendeu Márcio em flagrante. Meses depois, outro promotor ofereceu denúncia por tentativa de homicídio.

Às 13h20, Márcio começou a dar sua versão no tribunal. Às 14h02, Cembranelli deu bom dia aos jurados – um homem de cerca de 55 anos, dois na faixa dos 25, mais duas mulheres com cerca de 50 outra duas em torno dos 30. Apenas um deles era novato em julgamento.

De início, Cembranelli, detalhista, enumerou os crimes passíveis de serem julgados por jurados populares e não por juízes togados. Eram nítidas as expressões de admiração no rosto dos jurados. Depois, passou a pulverizar, uma a uma, as supostas justificativas para condenar Márcio.

Destacou que perícia na arma, feita por um dos maiores especialistas do país, mostrou que ela estava em perfeitas condições e todas as seis balas do revólver, perfeitas e intactas.

- Como não havia defeito na arma, se o réu tivesse disparado, pelo menos uma das balas deveria estar com a espoleta picotada, ou seja, marcada pela batida do cão do revólver.

Neste momento, pediu uma bala do revólver de um dos policiais que faziam a segurança do julgamento e, didaticamente, ilustrou sua fala.

Na sequência, chamou atenção para o segundo depoimento da vítima, Marcos Pinheiro, feito em juízo:

- Na segunda vez em que foi ouvido, o policial disse que foram três disparos, e não um. Uma contradição forte em relação ao outro depoimento.

- Tudo indica que a versão da tentativa de disparo foi construída para criar um processo que comprometesse o réu. Pensem comigo: os senhores acham que, se o réu tivesse tentado disparar contra dois policiais com arma em punho e seu revólver falhasse, ele não teria sido fuzilado? Acham que o réu estaria aqui para contar a história? Se os senhores estivessem no lugar de um desses policiais, não reagiriam instintivamente mandando tiro contra quem tentou matar um de vocês e não conseguiu?

Em seguida, destacou que o crime, tecnicamente, estaria prescrito.
- Não bastasse tudo isso, há outro detalhe importante. Se Márcio fosse condenado por tentativa, pegaria no máximo dois anos, ou seja, um terço dos seis anos da pena por assassinato simples. A lei diz que o prazo máximo para punir um condenado é o dobro do total da pena máxima que ele pode receber. Neste caso, seriam quatro anos, duas vezes mais do que os dois por tentativa. Do início deste processo até hoje, temos sete anos e tanto de trâmite. Quase o dobro do tempo. Então, tecnicamente, este processo deve ser prescrito.

E apelou aos jurados:
- Peço a absolvição do réu. Não há como provar que Márcio tentou atirar contra os policiais. Eu e todos nós precisamos trabalhar com fatos e informações que levem à certeza total dos fatos. Se o processo fosse por porte ilegal de arma, não teria dúvida de pedir a condenação. Mas é por tentativa de assassinato. E isso, definitivamente, não dá para afirmar e garantir que ocorreu.

O promotor acrescentou:
Não deixa de ter um certo ar de ironia que meu retorno aos tribunais envolva um julgamento bem menos complexo, e que, nele, eu peça a absolvição total do réu em tese comum com a defesa. Mas não sou promotor de acusação. Sou promotor de Justiça. Falei isso o tempo todo durante o julgamento dos Nardoni.
Para quem duvidou e ainda coloca isso em dúvida, aqui está mais uma prova. O muito obrigado de Cembranelli saiu às 15h10. Três minutos depois, o advogado Almir Ferreira Cruz parou em frente aos jurados para fazer o que deve ter sido a sua mais breve defesa em um tribunal.

Gastou apenas sete minutos. Tempo suficiente para elogiar “o talento e a simplicidade” de Cembranelli, lembrar “do tumulto danado” que envolveu o Fórum de Santana no caso Nardoni e reforçar o pedido de absolvição do réu por “falta de prova acusatória cabal para justificar a condenação”.

Às 15h20, exatas duas horas após o início dos trabalhos, sem réplica nem tréplica, o juiz Marcelo Augusto de Oliveira – o mesmo que liderou o julgamento de Testa, o primeiro a ser realizado em Santana após o furacão Nardoni – leu a sentença.

- O conselho considerou que não houve tentativa de disparo contra o policial Marcos Eduardo Pinheiro. O réu Márcio Vanny de Almeida está absolvido.

Não poderia haver resumo mais brilhante para essa história do que o feito por Eglis Vanny, mãe do réu, para a reportagem do R7.

- Quando soube que a acusação seria do doutor Cembranelli, fiquei com o coração apertado. Vi meu filho condenado. Mas depois pensei: se este promotor é justo como diz, vou sair daqui com o Márcio andando. E assim foi. Graças a Deus o doutor Cembranelli é um homem justo.

E graças a Deus, Dona Eglis, depois daquele furacão, o que ele considerou justo era a favor do seu filho. Porque se fosse contra, tenha certeza, iria ficar difícil. Ah, iria...


Celebridade
No 1.078º - o do casal Nardoni -, Cembranelli viu sua determinação implacável nos últimos dois anos desaguar em duas condenações a prisão: 31 anos, um mês e dez dias para Alexandre Nardoni e 26 anos e oito meses para sua mulher, Anna Carolina Jatobá. E, com 49 anos de idade, 22 de carreira e dois filhos (nove e dez anos) do casamento de 14 anos com a defensora pública Daniela, ele, “sem ter pedido e muito menos desejado”, como sempre pede para destacar, virou celebridade.

Apenas na rede de relacionamento Orkut há mais de cem páginas exaltando o promotor. São elogios, incentivos e, em grande número, cantadas. Alguns títulos: “Cembranelli, o Promotor do Século”, “Cembranelli Para Presidente Já!”, “Francisco Cembranelli, o Cara!”, “Eu vou no Cembranelli”, “Cembranelli é um Gato!” e “Cembranelli é Tudo de Bom”.

Nelas, é possível perceber o sucesso o promotor com a mulherada, em recados como “para todos que, como eu, não perdem uma entrevista do Cembranelli, e que, mais do que achar ele um grande promotor, também acham ele um gato.” Ou “que o homem é lindo, nós já sabemos muito bem”. Ou ainda: “você é o maior. Eu sei que é casado e feliz. Eu também sou casada, mas te amo”.

Horas depois do final do julgamento do casal Nardoni, o jornal Diário de S. Paulo localizou na internet uma pesquisa curiosa, em que se questionava que crime o internauta cometeria pelo Cembranelli.

Heliane, uma fã mais empolgada, não hesitou em responder à questão.
- Eu cometeria facilmente um crimezinho de falsidade ideológica. Diria a mim mesma que é o meu nome que está inscrito dentro daquela aliança linda que ele tem na mão esquerda.

Agora, depois de 23 dias de tratamento coletivo digno de estrela pop, lá estava ele de volta arrematando suspiros em mais um tribunal.

http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/cembranelli-pede-absolvicao-de-reu-na-volta-aos-tribunais-20100420.html