quinta-feira, 18 de setembro de 2008

'CSI à brasileira: profissão perito

Com aparato científico-tecnológico, polícia paulista busca eficiência da série norte-americana em meio a altos índices de criminalidade.

Microgotas de sangue no microscópio, órgãos humanos fatiados em pedaços ultrafinos, pós magnéticos que revelam impressões digitais e reagentes químicos que denunciam a presença de fluidos corporais. O mundo asséptico da Superintendência da Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo passa longe da emoção provocada pelo assassinato de Isabella Nardoni,
5, morta no último dia 29.

Mas seus laboratórios são uma das chaves para resolver um crime que comoveu o país. A participação da perícia foi fundamental para montar o quebra-cabeça das circunstâncias da morte da menina. Um dos laudos comprovou que ela foi asfixiada e depois jogada do sexto andar do prédio.

Outro trabalho da perícia eliminou suspeitas, como as de que roupas com sangue encontrado em um apartamento vizinho ao do crime eram de Alexandre Nardoni, o pai da garotinha. Corriqueiros para os fãs do popular seriado "CSI", laudos técnicos como esses são os responsáveis pelo aumento da visibilidade da polícia científica em todo o mundo.

Assim como os peritos que ajudam a desvendar crimes em episódios eletrizantes da série, os profissionais da vida real também conquistaram importância e momentos de fama. "Vivemos a síndrome 'CSI'", diz Celso Perioli, coordenador da SPTC (Superintendência da Polícia Técnico-Científica) e perito desde 1976.

"Há uma exigência cada vez maior de provas técnicas. O mundo passou a comprar produtos para investigação científica, e os preços caíram. E mais países estão fabricando determinados equipamentos."

Um dos sintomas da valorização da ciência na resolução de crimes é o aumento da participação da SPTC no orçamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Há dez anos, a verba da superintendência era de
R$ 1,48 milhão, 0,05% do total do orçamento. Hoje, esse valor é de R$ 191,5 milhões, ou 2,25% do total, um aumento de
12.841,3%.

O efetivo do órgão também cresceu: eram
2.847 funcionários em 1999. Atualmente, são 3.600. Ainda é pouco. "O número de peritos teria que ser triplicado. A perícia acaba sendo malfeita, não por má vontade, mas por acúmulo de trabalho", aponta Maria do Rosário Seraphim, 69,
presidente da Associação dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo.

Terceira mulher a ter autorização para ir a campo, Maria do Rosário se aposentou há sete anos, depois de
30
como perita. "Antes, os reagentes eram obsoletos. Para saber se havia sangue na cena do crime, era preciso esperar os produtos reagirem por três horas", lembra. "Hoje , o 'Luminol' reage quase instantaneamente."

Renato Pattoli,
50
, apelidado de "Grissom brasileiro", em referência ao brilhante e taciturno chefe dos agentes do "CSI", diz que, no passado, a prática era jogar água oxigenada sobre o local onde se achava que havia sangue. Se borbulhasse, era sinal de que havia matéria orgânica, provavelmente sangue. "Mas isso destruía a amostra".

Engenheiro agrônomo com formação em informática, Renato fez uma descoberta diante do corpo de uma vítima encontrado em um terreno baldio onde crescia o capim Brachiaria decumbens. Grissom ficaria orgulhoso. "Sabia que o pólen desse capim adere a qualquer coisa. Quem entrou no terreno o teria grudado na calça."

Quando um suspeito, ex-namorado da vítima, foi preso, o perito pediu para ver as calças dele. "Tinha o pólen grudado", conta. "Esse dado não provou que ele era assassino, mas ficou claro que estava mentindo". É amplo o leque de ferramentas para desmanchar falsos álibis.

Tanto que a polícia investe em equipamentos como o "Crimescope", usado para detectar mancha de sangue, vestígios de pólvora e ossadas. Outro aliado "high-tech" dos investigadores é o seqüenciador de código genético. Além do uso de equipamentos, o Instituto de Criminalística faz simulações usando conceitos de física, como em um caso do interior de São Paulo em que uma criança foi encontrada afogada em um, balde.

"Usamos um boneco para saber se uma criança ficaria de ponta-cabeça sem ser segurada", conta Adilson Pereira, 48, diretor do núcleo de física do IC. Eles comprovaram que era possível e que poderia ter sido acidente e não, necessariamente, um crime.

Os métodos ultra-sofisticados do seriado "CSI" chegam a provocar risos entre funcionários do IC e do IML. "Fazemos um trabalho sério e honesto, sem glamour", diz Alessandra Pereira da Silva, 34, engenheira química que trabalha com os cromatógrafos do IC.

Ela critica, por exemplo, a rapidez e a precisão excessiva dos laudos que desvendam os crimes na série. "Muita coisa no seriado procede, mas, quando os agentes do 'CSI' conseguem dizer que tal folha é do ipê-rosa da Amazônia, sabemos que essa identificação é altamente improvável."